Novembro 21, 2023
Foureaux
Poesia. Matéria complexa, apesar da aparência de simplicidade. Trabalho de construção de sentido conjugado com escolha de palavras para consolidar imagens, ideias, visões de mundo. Muito se pode dizer sobre poesia. Quando dava aulas, meu maior temor eram as aulas de poesia. Sempre tive a sensação de que enquanto lecionava, os estudantes pensavam que eu era doido e que estava inventando o que eu falava. Com a narrativa era bem mais simples. Uma leitura superficial de um trecho de romance ou conto e a “coisa” se explicava. Já com a poesia... Meu temor se escorava na ausência quase absoluta de interesse dos estudantes e na absoluta falta de compromisso com a leitura. No fim de carreira, já não me importava mais. Muita decepção. Comentando, com uma amiga, sobre a delícia que a aposentadoria me dava, dizia que uma das coisas que mais me encantavam no fato de não ser mais obrigado a dar aulas para quem não estava interessado nelas, era o fato de não ter que ler (s0bretudo) poesia e dar explicações sobre a leitura que fiz, sabendo que quem me escutava não tinha lido e não fazia ideia do que eu estava falando. É triste. Mas foi assim. Ando descobrindo coisas novas e revisitando referências passadas. Uma delas foi ver, de relance, um vídeo com um ator de quem gosto muito – Tom Hiddleston – declamando um poema. Trata-se de “Funeral blues”, de W. H. Auden. Eu teria muito a dizer sobre esse poema, sua estrutura e musicalidade, o discurso que desenvolve, as imagens que constrói e a possibilidade de abordá-lo sob a perspectiva de um olhar homoerótico, por razões óbvias (pouca gente vai entender esta minha referência). Deixa pra lá. Poderia também comentar a tradução que aqui apresentado. Também vou declinar da possibilidade por pura e absoluta preguiça. Só desejo que o prazer da leitura seja justificadamente suficiente!
O original (https://web.cs.dal.ca/~johnston/poetry/stopclocks.html):
Stop all the clocks, cut off the telephone
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.
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A tradução de Maria de Lourdes Guimarães (https://casadospoetas.blogs.sapo.pt/74644.html)
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.
Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.
Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram o bosque;
Pois agora tudo é inútil.