Dezembro 06, 2021
Foureaux
Um tratado. No dicionário que consultei on line, esta palavra apresenta duas acepções. Como adjetivo, significa que o que se tratou; como substantivo masculino significa convenção, entre dois ou mais países, referente a comércio, paz, etc. No entanto, que eu saiba, há ainda uma outra acepção. Tratado (do termo latino tractatus) é um estudo formal, científico, de caráter acadêmico, fundamentado e sistemático sobre determinado assunto. É bem mais extenso que um ensaio devido às suas características acadêmicas, sempre se propondo a apresentar uma teoria acadêmica bem fundamentada, sendo, normalmente, publicado em formato de livro ou livros ou, ainda, bibliotecas, os mais extensos. Famosos tratados foram escritos por filósofos, cientistas, teólogos, místicos, militares, políticos, dentre muitos outros pensadores. Diferentemente do ensaio, que é um texto literário breve e informal, o tratado é algo mais complexo e formal. O ensaio, por sua vez, expõe ideias, críticas e reflexões éticas. Bem. Tudo seria mais simples se simples fosse. No entanto, do fundo de minha chatice, tenho que afirmar que um filme pode ser um tratado. Não vou justificar esta tese. Não vou explicá-la, nem sustentá-la com argumentos epistemológicos complexos e chatos, como eu. Vou apenas afirmar e o faço através da referência a um filme que vi há poucos dias. Trata-se de O cântico dos nomes (The song of names, Canadá/Restados Unidos, 2020, direção de François Girard). A história contextualiza-se na segunda guerra mundial, notadamente na tomada de Varsóvia pelas tropas nazistas. Claro está que a narrativa fílmica estica esse tempo, mas isso é um detalhe. O que me impele aqui é o fato de que o filme é um tratado sobre o homoerotismo. Um menino inglês é obrigado a dividir seu mundo doméstico com outro menino, este, judeu polonês, que é deixado em Londres pelo pai, à custa do reconhecimento da genialidade do virtuose, seu filho, violinista impecável. A tal narrativa vai enredar uma série de detalhes e situações e episódios. no fundo, o relato diz da relação homoerótica entre os dis garotos, depois adolescentes, jovens e adulto. Não é possível antever o desfecho, mas aa obviedade do afeto que envolve as duas personagens é algo inescapável. não há argumentos suficientes para derrubar esta tese. ambos se casam, constroem suas vidas, mas o afeto homoerótico subsiste, sem qualquer recalcamento, sem qualquer censura, abertamente, explicito como o ato de respirar e os sentimentos que povoam a vida das duas personagens. O drama da guerra, o mundo da música de então, as idiossincrasias culturais e sociais que são explicitados no filme não fazem sombra ao que, de fato, move a trama: o afeto que une o inglês e o judeu. Isso é irrecorrível. As turras da infância, as aventuras adolescentes, a persistência da vida adulta, fazem desse drama cinematográfico uma lição acabada e cabal do que se pode entender sobre homoerotismo. E não há sexo no filme, como poderiam antever as mentes menos desenvolvidas que sempre desejam reduzir tudo à mera panfletagem ativista. Não! Definitivamente, não! A beleza, a contundência e a delicadeza do tratamento da relação entre duas pessoas do mesmo sexo são inenarráveis. Só vendo o filme para constatar. Depois, a gente pode até conversar...