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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

21.03.25

Publicação

Foureaux
 
No dia 27 de março próximo passado (adoro essa expressão), defendi minha tese de doutoramento em Letras – Literatura Comparada, no Programa Pós-Graduação em Letras - Estudos Literários, da UFMG. Trinta anos se passaram. Três das professoras que compuseram o júri, que eu saiba, já faleceram: Eneida Maria de Souza, Vera Lúcia Andrade (des)orientadora e Maria Luíza Ramos. As três da mesma universidade que me outorgou o título. As duas outras arguidoras eram de outras universidades: Lúcia Helena Vilela (não tenho certeza de ser este mesmo seu nome), da UFF e Margarida de Aguiar Patriota, da UnB. Esta tinha sido minha orientadora de Mestrado, mas não pode presidir o júri da defesa, então (1988), por conta de um acidente doméstico que acometeu seu, então, marido. Fiz questão de sua presença no júri do doutoramento. Para minha alegria e gratificação, estas duas professoras fizeram uma arguição em regra, com debate primoroso, provocações e questionamento que tomaram duas das seis horas e meia de duração de todo o processo. Quanto às outras duas arguidoras, reservo-me o direito de não dizer nada. A história desse doutoramento é um tanto dolorosa, mas gratificante, na medida em que isso seja possível. Assim endo, hoje, coroa-se um ciclo que levou trinta ano: a publicação de um extenso ensaio escrito a partir do texto da tese. Não levei trinta ano para escrevê-lo, mas na conclusão destes mesmo trinta anos alegro-me com a publicação do livro. Parece que a editora (CRV) de Curitiba, disponibiliza o e-book para venda na Amazon. Não é mais o texto da tese, por óbvio. Trata-se de um extenso ensaio que se debruça sobre quatorze romances lidos para consolidação do corpus da tese: A menina mortaFronteira e Dois romances de Nico Horta, de Cornélio Penna; A crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardo; Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres A paixão segundo GH, de Clarice Lispector; As parceirasA asa esquerda do anjoReunião de famíliaO quarto fechado e Exílio, de Lya Luft. A ideia é estabelecer o parâmetro mínimo necessário para a consolidação de um conceito: o de romance intimista, no âmbito de um intervalo da série histórica da Literatura Brasileira, notadamente aquela produzida pelos quatro autores selecionados, que publicaram os respectivos romances entre a década de 30 e a década de 80 do século passado. Gosto muito deste trabalho. Gostei de revisitar a tese e transformá-la num ensaio. Este gênero de escrita, o ensaio, é fonte de prazeres que a escrita de uma tese impede e condena. No âmbito da síndrome de Macunaíma que não tem cura em mim, quis apenas destacar o fato que me dá uita alegria. Tomara que alguém se digne a ler o livro...
01.02.25

Mais uma...

Foureaux

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No capítulo das releituras que causam enorme prazer, mais uma: O cemitério de Praga, Umberto Eco. O semioticista sabia escrever um romance. Romance mesmo, dos bons. Depois de lê-lo pela primeira vez, estive em Praga. Procurei encontrar o “clima” de algumas passagens do romance naquela cidade misteriosamente encantadora. Devo confessar que, desta vez, uma estranheza me ocorreu: não me dei conta de algumas “personagens”, como descrito na contracapa do volume que compulsei (2ª edição, Record, 2011). A satanista e as missas negras por exemplo. Pode ter sido falta de atenção minha, pode ter sido leitura malfeita, pode ter sido efeito de “problemas” de tradução. Vai saber. Isso não importa, na verdade. O romance é delirantemente delicioso. Para além disso, é de uma graça, às vezes, estonteante. Há passagens hilárias. O humor refinadíssimo do autor e sua verve sarcástica marcam presença inolvidável. Prova de sua erudição e amplo conhecimento de causa. Uma delícia de ler. Destaco duas passagens, das muitas que me deixaram estonteado de tanto prazer na leitura. Não sei se o efeito vai ser o esmo em que está lendo estas linhas, mas vale o esforço.

A primeira: “Entre os intelectuais parisienses, há quem admita, antes de exprimir a própria repugnância “ante os judeus, que alguns dos seus melhores amigos o são. Hipocrisia. Não tenho amigos judeus (Deus me livre); na minha vida sempre evitei essa gente. Talvez os tenha evitado por instinto, porque o judeu (veja só, como o alemão) sente-se pelo bodum (disse-o inclusive Victor Hugo, fetor judaica), que os ajuda a se reconhecerem, por esses e outros sinais, como aconte

ce aos pederastas. Meu avô me recordava que o cheiro del do uso desmedido de alho e cebola e talvez das carnes de carneiro e de ganso, sobrecarregadas por açúcares viscosos que as tornam atrabiliosas. Mas devem ser também a raça, o sangue infecto, os dorsos derreados. São todos comunistas, vejam-se Marx e Lassalle, ao menos nisso meus jesuítas tinham razão.

Sempre evitei os judeus também porque estou atento aos sobrenomes. Os judeus austríacos, quando enriqueciam, compravam sobrenomes

graciosos, de flor, de pedra preciosa ou de metal nobre, daí Silbermann ou Goldstein. Os mais pobres adquiriam sobrenomes como Grünspan (azinhavre). Na França, como na ltália mascararam-se adotando nomes de cidades ou de lugares, como Ravenna, Modena, Picard, Flamand, e por vezes se inspiraram no calendário revolucionário (Froment, Avoine, Laurier) – justamente, visto que seus pais foram os artífices ocultos do regicídio. Con­vém, porém, prestar atenção também aos nomes próprios que vezes mascaram nomes judeus: Maurice vem de Moisés, Isidore de Isaac, Edouard de Aarão, Jacques de Jacó e Alphonse de Adão...

Sigmund é um nome judeu? Por instinto, eu tinha decidido não dar confiança àquele medicozinho, mas um dia, ao pegar o saleiro, Froïde o derrubou. Entre vizinhos de mesa devem-se respeitar certas normas de cortesia e eu lhe estendi o meu, observando que, em cercos países, derramar o sal era de mau agouro, e ele, rindo, respondeu que não era supersticioso. Desde aquele dia, começamos a trocar umas palavras. Ele se desculpava pelo seu francês, que con­ siderava muito arrastado, mas se fazia entender muito bem. São nômades por vício, precisam se adaptar a todas as línguas. Gentilmente, eu disse: ‘O senhor só precisa habituar mais o ouvido.’ E ele me sorriu com gratidão. Escorregadia.

Froïde era mentiroso até enquanto judeu. Eu sempre ouvira dizer que os da sua raça devem consumir apenas alimentos especiais, cozidos apropriadamente, e por isso se mantêm sempre nos guetos, ao passo que Froïde comia em grandes bocados tudo o que lhe sugeriam no Magny e não desdenhava um copo de cerveja às refeições. (p. 48)”

A segunda: “– Senhores, a afirmação de que Cristo era judeu é uma lenda divulgada precisamente pelos judeus, como eram São Paulo e os quatro evangelistas. Na realidade, Jesus era de raça céltica, como nós, franceses, que só muito tarde fomos conquistados pelos latinos. E, antes de serem emasculados pelos latinos, os celtas eram um povo conquistador; já ouviram falar sobre os gálatas, que chegaram até a Grécia? A Galileia se chama assim por causa dos gauleses, que a colonizaram. Por outro lado, o mito de uma virgem que teria parido um filho é mito céltico e druídico. Jesus, basta olhar todos os retratos que temos dele, era louro e de olhos azuis. E falava contra os usos, as superstições, os vícios dos judeus e, ao contrário de tudo o que os judeus esperavam do Messias, dizia que seu reino não era deste mundo. E, se os judeus eram monoteístas, Cristo lança a ideia da Trindade, inspirando-se no politeísmo céltico. Foi por isso que mataram. Judeu era Caifás que o condenou, judeu era Judas que o traiu, judeu era Pedro que o renegou...” (p. 379)

Há receitas, aqui e ali, durante a narrativa. Tudo temperado com afinada ironia, tal como a seguinte observação: “Os tolos precisam ter sob as cobertas uma mulher, ou um rapazinho, para não se sentirem sós. Não sabem que a água na boca é melhor do que uma ereção. (p. 26). Mais “saboroso”, quase impossível! Atenção: não me venham com o lero-lero de que Umberto Eco era antissemita. Por favor! Tenham a decência de ler suas palavras no diapasão da ironia ficcional de que se serve para escrever o romance. Que romance!

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21.02.24

Livro

Foureaux

Uma das coisas que podem ser chamadas de “dificuldade” na prática da leitura crítica de obras literárias é a tal de “opinião”. Inescapável realidade que muitos tentam camuflar, desconsiderar e, até, tentar inutilizar. Em vão. Não se escapa dela. Por isso mesmo, não pode haver critério(s) “chamados” de objetivos para avaliações deste universo. Assim é que, ao ler um livro – sobretudo de autor próximo, conhecido, até amigo – a dificuldade aumenta e os tais critérios tidos como objetivos escapam inexoravelmente. A crítica fica, então, adstrita a um circuito de maledicência e/ou bajulação. Não há escapatória. Há algum tempo, deixei de me submeter a tais idiossincrasias, pelo simples fato de estar aposentado, em caráter definitivo. Neste estatuto, livrei-me, de uma vez por todas, da obrigação de agradar a quem quer que seja, submetendo minha “produção” ao parecer alheio, sempre sujeito a outro cariz idiossincrático. Isso tudo se agudiza quando se trata de um livro novo, o primeiro, na carreira de alguém. Nas vamos lá!

O livro se chama Autos da razão. Seu autor: Israel Quirino. Posso dizer que, mesmo em caráter mínimo e superficial, conheço o autor. Acabei de ler seu livro e não me furto ao impulso de escrever algumas linhas sobre a obra. A edição é austera. Capa simples, mostrando um par de mãos em fundo rosa pálido, champagne, diriam alguns. Ao observar a capa, lembrei-me de uma das disciplinas cursadas no Mestrado – “Fundamentos de Literatura Comparada” – para a qual escolhi, como tema da monografia de conclusão da disciplina, a Titulologia. Capítulo dos pródromos da Literatura Comparada no Ocidente, a Titulologia, como está no vocábulo estuda os títulos na perspectiva que caracteriza a própria disciplina: o comparativismo. As relações entre biografia autorial e título, entre tema e título, entre capa e título, entre assunto e título, entre contexto e título, etc. No fundo, como a própria disciplina de que faz parte, a Titulologia caracteriza-se por ter caráter especulativo e essencialmente teórico. Naquela altura, analisei um romance de Júlio Ribeiro, A carne, cuja capa apresentava um suculento filé, descansando sobre uma almofada de adamascado oriental carmim, enfeitado por grelos dourados. Foi um trabalho irônico e, por que não dizer, iconoclasta. Não vou repetir a dose aqui. A lembrança se justifica pois não encontrei relação plausível entre a ilustração da capa e o conteúdo do livro. Atenção: isto não é um defeito, nem uma qualidade. É, apenas e somente, a conclusão de um leitor que se quer atento e curioso. Punto i basta.

O relato ficcional – ainda que me senti tentado a relacionar certas passagens à traços de autobiografia – se desenvolve a partir das elucubrações de um protagonista que é responsável por sua própria narração. Et voilá: é um juiz. O autor é advogado. Uma coisa pode levar a outra, mas não “advogo” este direito para a leitura que fiz. No entanto, não quis deixar escapar a oportunidade da menção. Interessantemente, o livro é composto de seis capítulos. O detalhe poderia passar batido, não fosse o fato de o autor fazer parte ativa de um movimento cultural em Mariana-MG, cidade onde vive e atua, que tem um ícone identitário, a aldravia. Poema formado por seis versos univocabulares. A ideia mater desta forma poética é suscitar o leitor a construir o sentido do poema, dando vazão a um impulso metonímico provocado e sustentado pela linguagem poética. esta é a marca identitária deste poema e, por extensão, do movimento em cujo seio foi forjado. O número seis, portanto, não pode ser tomado apenas como marco instrumental de organização textual. Como leitor, aproveito o indício para estabelecer correlação entre o conteúdo ficcional do texto narrativo e o contexto a que se subscreve. Isso pode render leituras mais instigantes, suponho, do que a minha própria.

O título remete a uma forma literária em prosa ou verso que remonta aos séculos XV e XVI, notadamente a Gil Vicente, prócer da Literatura Portuguesa e, por extensão, da Literatura Brasileira. No entanto, para além do fato de não ser escrito em versos, os Autos da razão não deixam de contemplar um dos aspectos presentes na produção de Gil Vicente: o caráter moral de seus escritos, sempre voltados a questões de ordem ética (religiosa, mais acertadamente). No caso do escritor mineiro, o dilema pelo qual passa o juiz que protagoniza a narrativa rende eluvubrações de variado cariz, proporcionando ao leitor momentos de reflexão muito instigantes. É de se notar que, em certos passos do relato, a exaração de temas, questões e problemas jurídicos, enchem páginas e páginas, o que pode levar algum leitor a experimentar o tédio. Isso não é regra, mas é notável. Leio isto como exercício apaixonado de um profissional que transcende o tratado, na pena da ficção, não para demonstrar erudição – o que seria um pecado mortal –, mas para ilustrar de forma veemente – conseguindo, assim, mais verossimilhança no e para o relato que apresenta – as circunstâncias po quais passa o protagonista em sua sendo profissional, ética e, até espiritual. Os dramas vividos pelo juiz, no desenvolvimento do processo em que está envolvido, alimenta-se das dúvidas e apreensões que surgem na relação com a ré. Neste sentido, no embate com sua esposa, a dúvida e a angústia marcam o pensamento do narrador que se apresenta frágil diante da realidade acachapante que vai se criando ao longo do desenvolvimento do relato.

Texto de redação quase suntuosa, o relato traz para a cena ficcional, um universo já explorado em outro diapasão, o do suspense. Este não é o caso aqui, por inútil. Quer me parecer – é bom lembrar que sou apenas um leitor e, assim, não cabe a mim determinar o que se passou (ou não) na cabeça do autor para escrever isto ou aquilo em sua obra – a narrativa busca desenhar um percurso subjetivo em seu constante movimento de busca de esclarecimento, ou de uma verdade que escapa nas fímbrias de qualquer discurso, como é o caso do Direito e, por que não, da Literatura também.

Parece que consegui vencer certas dificuldades referidas no começo. Li o livro. Falei sobre ele. Implicitamente, fiz um convite. E não precisei nem bajular, nem condenar quem quer que seja, Alea jacta est!

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01.02.24

Dispersos

Foureaux

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Mexe daqui, mexe dali, acabei encontrado os quatro trechos que seguem. Se não me deixo enganar pela falta de memória, devema ser coisas que escrevi pensando em algum livro que penso estar escrevendo. Na verdade, estou com dois em andamento: um de poesia e um de prosa. Ambos têm títulos provisórios já estabelecidos: Aprocrifói e Os mortos são mais felizes, respectivamente. Não sei se estes trechos vão entrar no livro de prosa. Pode ser. Pode não ser... Vai saber...

“Existe, creio que atavicamente, um traço distintivo no ser humano: a sede de ser o primeiro. Tenho dúvidas sobre ser ‘sede’ o termo correto. Talvez desejo soasse melhor ou faria mais sentido ou daria mais consistência à ideia exposta. Tanto faz. Aqui, qualquer uma das formas vai dizer a que veio. Esta sede permeia quase todas as atitudes do ser humano. Há um grupo, num certo lugar que, num determinado – pelo próprio grupo – momento, resolveu inventar uma coisa. Não há necessidade de se dizer que coisa é essa. Fato é que a coisa foi inventada pelos elementos que compunham o grupo, num sentido mais estrito. Na verdade, o grupo era mais numeroso. A invenção, no entanto, era peculiaridade do pequeno conjunto. A coisa foi inventada e divulgada, tomou forma e corpo. Alçou voo e alcançou outros rincões mundo a fora. Sua genuinidade pode ser questionada, por óbvio. Faz tempo que o conceito de originalidade vem perdendo força, eficácia, eficiência, relevância... A invenção persiste. Assim, pensar no primeiro, no original, no início é exercício filosófico de monta. Ser da primeira turma que cursou um programa de disciplinas diferente por conta de uma reforma de ensino. Ser da primeira turma da graduação em Língua Portuguesa que, antes, só oferecia Licenciaturas duplas. Ir pela primeira vez a um determinado local e, no primeiro quilômetro deste local, sofrer um acidente. Ser o primeiro classificado em primeiro lugar num concurso público. Ser o primeiro... este exercício pode encher de orgulho e empáfia um sujeito que não esteja atento ao que se passa à sua volta. Dizer ‘sou o primeiro’ é motivo de reprovação ou vergonha? Depende. O contrário também depende. Tudo é relativo, sobretudo no discurso. O contexto pode modificar a simplicidade de uma assertiva, tornando-a profundamente ofensiva, e até criminal, quando é o caso. E há muitos casos... O que importa, no entanto, é saber que a sensação de ser o primeiro não é ruim. Nada ruim. Há que se procurar certa sabedoria intrínseca, implícita e intuitiva, para não se deixar engambelar pelo ‘canto de sereia’ da vaidade que leva o sujeito à ruína. nem sempre, mas leva. Nem sempre é simples. Em algumas sessões de Psicanálise...” 

Ando um tanto sorumbático. Macambúzio, por vezes. O calundu me arresta solerte, de vez em quando. O tempo passa e muito pouca coisa muda, o que não deixa de ser triste, ainda que irrecorrível. Entre um e outro momento leio, ou escuto música, ou fico olhando para o nada... deixando tempo passar. Numa dessas, escutei alguém lendo um texto. Era uma carta. Foi escrita por Dom Pedro II (até que se prove o contrário – sempre é bom lembrar). Ele foi um homem muito importante para o Brasil. Cometeu erros, por óbvio, mas sua importância suplanta seus deslizes. Ele anda a fazer falta como modelo, guia, exemplo a ser seguido. Gostei da ideia. Procurei o texto integral e trago-o aqui. Deixo a critério de cada um pensar o que quiser, tentar encontrar um sentido, uma explicação. Não tenho mais saco para tanto...

“Estou bem velho, mas ainda consigo as areias das praias do Rio de Janeiro. Ainda consigo sentir a brisa das manhãs, e o cheiro delicioso de café que só minha antiga terra era capaz de gerar. Ao longo da minha vida, tive a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecendo novas culturas e costumes. Precisei viajar pelos continentes para perceber que nenhum dos lugares que visitei era tão grandioso quanto meu Brasil. Percebi que nenhum povo era tão guerreiro quanto o meu povo brasileiro. Percebi que nenhum outro reino, império, ou nação tinha as riquezas que nós tínhamos. Sei que não consegui agradar a todos, mas lutei por quase 60 anos com as armas que eu tinha. Tentei ser o imperador mais justo possível, e tentei enfrentar os altos e baixos com muita sabedoria. Hoje, a única certeza que tenho, é que se dependesse somente da minha pessoa muita coisa teria mudado no Brasil, bem mais rápido do que se esperava. Por que não resisti ao golpe de estado? Você deve estar se perguntando. Bem, porque eu não queria ver mais sangue brasileiro sendo derramado por ambições políticas. Era preferível ter em minhas mãos a carta do meu exílio, do que o sangue do meu povo. Confesso que perdi as contas de quantas vezes sonhei que estava retornando para minha pátria. Hoje, sinto que minha jornada aqui neste plano está bem próxima do fim. Quando a minha hora chegar, irei me curvar perante Deus, o rei de todos os reis, e agradecê-lo do fundo do meu coração, pela honra de ter nascido brasileiro. 

PS: copiei o texto da carta daqui: https://www.recantodasletras.com.br/cartas/7388873

Um doutorando em busca de fontes para as pesquisas de tese. Um supervisor que incomoda seu paciente, um psicanalista atormentado, com suas referências e insinuações. Um escritor desconhecido, com obra igualmente desconhecida, a fazer anotações às voltas com as anotações de suas sessões com seus pacientes. Ou seria apenas seu diário, num redemoinho incontornável movido pela memória. O psicanalista? Tudo girando em torno do fascínio que o ato da escrita pode causar e enredar. Longe de uma trama comum e rasteira de um thriller, esta ficção deixa a ver navios o enredo desgastado do romance policial. Romance de tese? Roman à clef? Romance de formação? Não interessa. Muito porque, como pensa a personagem do escritor, isso não interessa. O prazer não está aí e este caminho leva ninguém e nada a lugar algum. Uma aventura. A narrativa flui ao sabor das percepções das personagens. Seu movimento é metonímico. O modus operandi é o das associações livres. Seu intento, fazer um convite ao leitor.

22.11.23

Leituras

Foureaux

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O texto que segue foi publicado hoje num grupo de que faço parte - Compartilhando leituras - no Facebook. Como não sei quem tem curiosidade procurar por esse tipo de grupo... resolvi partilhar aqui. Dessa maneira, mantenho o ritmo de postagens do blogue, vencendo a preguiça...

Faz tempo que não partilho nada por aqui. O que não quer dizer que eu não esteja lendo. Pelo contrário. O prazer só aumenta com esta prática solitária e saudável, uma coisa insubstituível. Tenho o prazer de anunciar que, mais uma vez, decidi parar de ler um livro que estava me chateando muito Don Juan. Sim. Uma chatice. Parei no segundo canto. Não vejo sentido em me obrigar a ler o cartapácio enviado pelo Clube de Literatura Clássica do qual fui sócio. A edição é muito bem cuidada e bonita, como as demais do mesmo clube. No entanto, a leitura não rendia. Não vi graça nenhuma. Minha erudição não é para tanto, se é que tenho alguma. Entretanto, li três obras que me chamaram a atenção. Duas delas de um mesmo autor, sobre as quais quero comentar alguma coisa. São de um autor paranaense – Rogério Pereira. Ele é o editor do jornal Rascunho, do qual fui assinante. Desisti da assinatura porque os jornais não chegavam em data adequada, quando chegavam. Como tenho preguiça de ler em computador ou tablete, apesar de tentar continuar a fazê-lo, desisti, mas recomendo a assinatura e a leitura. O jornal é muito bom. Pois é. O Rogério, editor do Rascunho escreve, e bem. Os livros têm por título Na escuridão, amanhã (2013) e Antes do silêncio (2023). No mais antigo, os capítulos se organizam em dois blocos: letras e números. Confesso que não fiz um exercício que seria interessante fazer: anotar a ordem em que aparecem os capítulos indiciados por letras para verificar se a sequência obtida compões expressão que tenha algum sentido. Num segundo momento, este exercício levaria a considerações acerca da articulação desta expressão como o texto do próprio romance. Como não fiz o referido exercício fico na intuição de que alguma coisa resulta desta opção ficcional do autor. Os capítulos, então, vão compondo uma sinfonia dramática em que o leit motif é a relação da voz narrativa com sua mãe. Ela vai sendo apresentada em seus momentos mais cruciais durante o tratamento de um câncer. A primeira pessoa do relato esmiuça os detalhes – sórdidos, dramáticos, contundentes – de tudo o que envolve esta doença miserável. Suas opiniões, pensamentos, reações e cogitações compõem um painel doloroso de um processo em que toda uma vida se revê, como uma espécie de anamnese existencial que procura certa remissão. A estrutura do romance se alterna percepções de um presente narrativo com considerações de um passado recente e não tão recente assim. Isso faz com que esta narrativa se aproxima da outra. Nesta, a mais recente, o foco muda de mãe para o pai. Não há doença como costura de “episódios” relatados. Neste caso, o tom é mais confessional. A voz narrativa, na mesma primeira pessoa, faz considerações – nem sempre simpáticas – a seu pai. Um universo imenso de caraterísticas, situações, sentimentos e reações é caudalosamente articulado por um texto que flui de maneira densa, pesada, mas em nada e por nada desagradável. É bom ler este texto. Um detalhe interessante é que ambos os livros se desenvolvem numa chave bastante usual no âmbito da Literatura produzida no Brasil, em períodos alternados a outras experiências. O fato de os relatos se circunscreverem a uma primeira pessoa que narra, leva, imediatamente à consideração de dois traços característicos da própria ficção concebida por Rogério Pereira: o memorialismo e a autobiografia. Estes dois termos ensejam, para alguns, categorias narrativas “autônomas”. Declino do direito de polemizar com esta assertiva, sem deixar de registrar que trata-se de possibilidades de abordagem dos livros de Rogério Pereira. Quem afirmar que todo e qualquer texto narrativo – romance, conto ou novela – é fruto de um registro e de uma ficcionalização que passa, obrigatoriamente, pela memória e pela experiência existencial do autor, deixa de ser acurado em sua afirmativa. Há sempre controvérsias. Tal ideia não pode, por sua própria natureza, ser tomada como axioma irrecorrível do gênero narrativo, sobretudo quando se trata de um romance – ainda que curto, como é o caso aqui. Do contrário, quem nega resvala no mesmo equívoco. O que desejo afirmar é que: não conhecendo o autor pessoalmente e conhecendo menos ainda sua performance existencial – com exceção feita a seu exercício editorial de inquestionável valor – não posso afirmar que se trata de ficção, digamos, intimistas. Uso este termo para agradar a alguns críticos de plantão que ainda acreditam que tal “intimismo” é apenas resultado de uma espécie de relato subjetivo e confessional. No entanto, é impossível ceder à tentação de “imaginar” – aqui, este verbo é tudo! – a plausibilidade de tal possiblidade de abordagem. Pelo sim, pelo não, recomendo a leitura. Ainda que guarde certa dose mágoa: o autor jamais respondeu a uma carta que lhe enviei, quando do encaminhamento de dois livros meus. Eu adoraria ter recebi pelo menos uma nota de recebimento dos mesmos. Mas isso é outra história...

24.09.23

Profecia

Foureaux

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Reli, ainda uma vez, 1984 de George Orwell. Impressionante. Desta vez, ao chegar quase ao final do livro deparei-me com um trecho que me fez pensar por longos minutos. Na edição impressa que reli (Clube de Literatura clássica, 2023) o trecho está entre as páginas 265-268. O mesmo trecho, aqui explicitado, tirei de uma edição virtual (https://multimidia.gazetadopovo.com.br/media/info/2022/202209/1984/e-book-1984.pdf) e encontra-se entre as páginas 456-462. Qualquer coincidência não é mera semelhança, infelizmente!

“Duplopensar significa o poder de manter duas crenças contraditórias em uma mente simultaneamente, e aceitando os dois. O intelecto do Partido sabe em que direção suas memórias devem ser alteradas; ele sabe, portanto que ele está pregando peças na realidade; mas pelo exercício de duplopensar ele também satisfaz a necessidade de saber que a realidade não é violada. O processo tem que ser consciente, ou não seria realizado com precisão suficiente, mas também tem que estar inconsciente, ou traria consigo uma sensação de falsidade e, portanto, de culpa. Duplopensar está no coração do Socing, uma vez que o ato essencial do Partido é usar a decepção consciente enquanto mantém a firmeza de propósito que é consequência da total honestidade. Pois dizer mentiras plenas e continuar acreditando genuinamente nelas, esquecer qualquer fato que se tornou conveniente e lembrar dele quando ele se tornou necessário novamente, durante o tempo que for necessário, negar a existência da realidade objetiva enquanto se leva em consideração a realidade que é negada – tudo isso é completamente necessário. Até mesmo o uso da palavra Duplopensar é necessário para se exercer o duplopensar. Ao usar a palavra, se admite a adulteração da realidade; com um novo ato de duplopensar se apaga esse conhecimento; e assim por diante indefinitivamente, com a mentira sempre um pulo à frente da verdade. Em última análise, é por meio do duplopensar que o Partido tem sido capaz – e pode, pelo que sabemos, continuar sendo capaz por milhares de anos, de deter o curso da história.

Todas as oligarquias do passado caíram do poder ou porque se calcificaram ou porque amoleceram. Ou elas se tornaram estúpidas e arrogantes, fracassaram em se ajustar à mudança de circunstância e foram derrubadas; ou se tornaram liberais e covardes, fizeram concessões quando deveriam ter usado a força, e foram derrubadas. Ou seja, elas caíram ou pela consciência ou pela inconsciência. É uma conquista do Partido ter produzido um sistema de pensamento no qual ambas as condições podem existir simultaneamente. O domínio do Partido não se tornaria permanente com nenhuma outra base intelectual. Se for para governar, e para continuar governando, é preciso ser capaz de deslocar o sentido da realidade. Pois o segredo da governabilidade é combinar a crença na própria infalibilidade com o poder de aprender com os erros do passado.

Não é preciso dizer que os praticantes mais sutis de duplopensar são aqueles que inventaram o duplopensar e sabem que se trata de um vasto sistema de trapaça. Em nossa sociedade, aqueles que têm o melhor conhecimento do que acontece são também os que menos conseguem ver o mundo como é. Em geral, quanto maior a compreensão, maior a ilusão; quanto mais inteligente, menos são. Uma ilustração clara disto é o fato de que a histeria bélica aumenta de intensidade à medida que se sobe na escala social. Aqueles cuja atitude em relação à guerra é mais racional são os povos sujeitos nos territórios disputados. Para esses povos a guerra é simplesmente uma calamidade contínua que varre sob seus corpos de um lado para o outro como uma onda gigantesca. Qual lado está ganhando é uma questão completamente indiferente para eles. Eles estão cientes de que uma mudança de soberania significa simplesmente que estarão fazendo o mesmo trabalho que antes para os mestres novos, que os tratam da mesma maneira que os antigos. Os trabalhadores ligeiramente mais favorecidos, que são chamados de “proles”, estão apenas intermitentemente conscientes da guerra. Quando necessário, eles podem ser levados a um frenesi de medo e ódio, mas quando deixados a si mesmos, são capazes de esquecer que a guerra está acontecendo por longos períodos. Mas é entre o Partido, sobretudo no Partido Interno, que se encontra o verdadeiro entusiasmo de guerra. A conquista mundial é uma crença mais firme entre aqueles que sabem que ela é impossível. Esta relação peculiar entre opostos – conhecimento com ignorância, cinismo com fanatismo – é um dos principais diferenciais da sociedade da Oceania. A ideologia oficial é abundante em contradições mesmo quando não há nenhuma razão prática para elas.

Assim, o Partido rejeita e vilipendia todos os princípios do Socialismo original e faz isso em nome do Socialismo. Ele prega um desprezo pela classe trabalhadora que não era demonstrado por séculos, e veste seus membros com um uniforme que, em determinado momento, era comum aos trabalhadores manuais – e é justamente por isso que foi adotado. Isso mina sistematicamente a solidariedade da família, e chama seu líder por um nome que é um apelo direto ao sentimento de lealdade familiar. Mesmo os nomes dos quatro Ministérios pelos quais somos governados exibem uma espécie de insolência em sua reversão deliberada dos fatos. O Ministério da Paz se ocupa da guerra, o Ministério da Verdade com mentiras, o Ministério do Amor com a tortura e o Ministério da Abundância com a fome. Estas contradições não são acidentais, nem resultam de hipocrisia; elas são exercícios deliberados de duplopensar. Pois é apenas reconciliando as contradições que o poder pode ser retido indefinidamente. O ciclo antigo não seria quebrado de nenhuma outra maneira. Se a igualdade humana for evitada para sempre – se os Altos, como chamamos, devem manter seus lugares permanentemente – então a condição mental predominante precisa ser uma insanidade controlada.”

12.09.23

Três

Foureaux

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Melancolia. Ceticismo. Ironia. Três palavras. Seu significado pode ser mais ou menos considerado, levando-se em conta quem as usa, com que finalidade, de que maneira. Em que contexto. Difícil? Depende, nem tanto de quem as usa, talvez um pouco de quem as lê, depois de usadas. De qualquer maneira, estas palavras são vocábulos a identificar situações, subjetividades, linguagens, não necessariamente nesta ordem! Antes de mais, é preciso alertar que isto não é um tratado ou ensaio ou trabalho de cunho acadêmico. Logo, não sou obrigado a ficar usando as firulas que as normas deste tipo de texto exigem. Digo, apenas, que tirei as definições dos três termos da Wikipedia, sem nenhum pudor. E fiz alguns ajustes por minha conta e risco. Vamos lá! Um pouquinho de obviedade não mata ninguém! Melancolia vem do grego μελαγχολία – melagcholía; de μέλας — mélas, “negro” e χολή — cholé, “bílis”. É uma tristeza vaga, permanente e profunda, que leva o sujeito a sentir-se triste e a não desfrutar dos prazeres da vida. Ela pode surgir devido a causas físicas e/ou morais. Os estudiosos consideram que a melancolia, à semelhança da tristeza e de outras emoções, passa a ser patológica a partir do momento em que altera o pensamento normal do indivíduo e dificulta o seu desempenho social. Por exemplo: é considerado normal uma pessoa sentir-se melancólica uma tarde qualquer e, assim, ficar em casa sem fazer nada. Em contrapartida, se esse comportamento se repetir durante vários dias e o sujeito abandonar a sua vida social ou as suas obrigações, a melancolia passa a ser um tipo de depressão que requer tratamento. Ceticismo é qualquer atitude de questionamento para com o conhecimento, fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Filosoficamente, é a doutrina da qual a mente humana não pode atingir certeza alguma a respeito da verdade. O ceticismo filosófico é uma abordagem global que requer todas as informações suportadas pela evidência. Em sua vertente clássica, deriva da Skeptikoi, uma escola que “nada afirma”. Adeptos de pirronismo, por exemplo, suspenderam o julgamento em investigações. Os céticos podem até duvidar da confiabilidade de seus próprios sentidos.Ironia vem do grego antigo εἰρωνεία, ou  eironēia, ‘dissimulação’; é uma forma de expressão literária ou uma  figura de retórica que consiste em dizer o contrário daquilo que se quer expressar. Na literatura, a ironia é a arte de zombar de alguém ou de alguma coisa, com um ponto de vista a obter uma reação do leitor, ouvinte ou interlocutor. Ela pode ser utilizada, entre outras formas, com o objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar algo. Para tal, o locutor descreve a realidade com termos que aparentemente conferem valor, mas com a finalidade de desvalorizar. A ironia convida o leitor ou o ouvinte, a ser ativo durante a leitura, para refletir sobre o tema e escolher uma determinada posição. O conceito de  ironia socrática, introduzido por Aristóteles, refere-se a uma técnica integrante do  método socrático. Neste caso, não se trata de ironia no sentido moderno da palavra. A técnica de Sócrates, demonstrada nos diálogos platônicos, consistia em simular ignorância, fazendo perguntas e fingindo aceitar as respostas do interlocutor (oponente), até que este chegasse a uma contradição e percebesse assim os erros do próprio raciocínio. Pois bem. São três palavras que escolhi para, ousadamente, relacioná-las a três homens Italo Zvevo, Fiodor Dostoievski e Luigi Pirandello. De novo, não necessariamente nesta ordem – no que diz respeito às três palavras “chave”! Esse escritores, aqui, comparecem, cada um, com uma de suas muitas obras: A consciência de Zeno, Os irmãos Karamazov e O finado Mattia Pascal. Agora sim, respectivamente, em relação a seus autores. E só! Os três me impressionaram recentemente. Um deles, o romance russo, em releitura. O italiano, Zvevo, foi a realização de um desejo já antigo. O outro, Pirandello, curiosidade aumentada depois da leitura de uma famosa peça de sua autoria – Seis personagens à procura de um autor. O título desta peça pode ter traduções variadas (em italiano, Sei personaggi in cerca d’autore – onde “cerca” pode ser traduzido por às voltas, à procura, em busca, por exemplo. Cada um que traduza como quiser). Pois bem. Impressionante é o mínimo que se pode dizer destes três livros. O de Dostoievski chega a um estado trágico tal que é difícil transcrever ou traduzir. O enredo que pões em xeque um parricídio e todo um universo de elucubrações – as mais variadas e profundas – acerca da religião, da fé, da moral. Isso para não deixar de falar da culpa e de tudo o que ela envolve. Repete-se, aqui, o mesmo clima que em outro livro do mesmo autor, Crime e castigo. Creio que a chave de interpretação é a mesma, ainda que a “crítica” seja regular em considerar o livro de que trato aqui como a summum opus de Dostoievski. Questão de opinião. Não me prendo a isso. O que me impressiona neste livro é, mesmo, como a melancolia é a ponta do lápis com a qual o autor vai desenhando as cenas, caracterizando as personagens, mesclando os episódios. Não chega a ser idêntico, o tom usado, como no caso de um outro seu conterrâneo. No entanto, acredito ser possível afirmar que é esmo a melancolia o diapasão desta orquestra monumental ensejada pela narrativa de Dostoievski. O dramatis personnae do/no romance concerta, como em outras obras do autor, uma série inumerável de traços constitutivos da personalidade humana em praticamente todas as suas nuances. Quando leio Dostoievski, tenho a sensação de estar escutando as sinfonias de Gustav Mahler. Mais uma idiossincrasia. Fato é que o cartapácio não é indigesto, mas trabalhoso. Requer constância e dedicação dado que vai fundo nos dramas humanos aparentemente mais banais, por sua capacidade análise detalhada, profunda e atenta. A Psicanálise deita e rola.  Da mesma forma que no romance de Italo Zvevo. Em seu primeiro capítulo, A consciência de Zeno já dá a entender a que veio. E a dona Psicanálise lá está, numa nota que se espraia pelo fértil campo misturado de ceticismo e indiferença, quase sarcasmo. Sim considero este romance um relato que ressuma a ceticismo. Esta é a sua “nota”, a meu ver. Zeno se desfaz em considerações narrativas que não me deixam alternativa. Com isso, não quero dizer que não haja outra perspectiva de abordagem. Longe de mim. Quem me conhece sabe que, como leitor, sou dos mais infenso a unanimidades e verdades absolutas ditas com a empáfia dos ignorantes! Nelson Rodrigues “acertou na mosca”! Zeno é uma personagem que convive com a morte em outra perspectiva. Diferente daquela em que Dostoievski pode ser lido. Não há, propriamente, melancolia em suas palavras, descrições, imagens e relatos. A personagem central se depara com fatos e situações que o fazer evolar-se como a fumaça de um cigarro. Não pela leveza e sensualidade, mas pela brevidade e evanescência. Algo que é impossível tocar, mas inadiavelmente presente. Não há, neste romance, a mesma solenidade trágica que há no livro de Dostoievski. No entanto, sua espessura filosófica é de igual quilate, assim como a acuidade com que encara e apresenta as situações a que um sujeito pode vir a encarar ao longo a existência. Por fim, O finado Mattia. Já tinha ouvido falar desse livro, mas não tive curiosidade suficiente para buscas por ele. Veio-me por assinatura (Clube de Literatura Clássica, de que sou membro, na tentativa de formar uma biblioteca “de peso” para minha sobrinha neta. Ainda que eu duvide que ela vá ler todos os quase quarenta volumes já listados e publicados. Vá lá! Valeu o esforço. Eu li, ao menos...). Neste romance do italiano Pirandello, Mattia Pascal é um homem que morre sem morrer. É dado como morto. Reconhecido como tal pela mulher e pela sogra, ao mesmo. Mas não morre. Foge e vai para outros rincões italianos de onde volta para susto – y otras cositas mas – dos que o julgavam na terra dos pés juntos. Uma dívida é, ao que parece, o estopim de toda a tragédia. Que, de fato, não acontece. Aqui, impera a ironia. A situações é, por si só, tão esdrúxula que não deixa margem para outra reação que a do riso. Talvez um tanto amargo, beirando o sarcasmo, mas riso. A personagem central narra suas aventuras e desventuras desfraldadas por uma morte que não acontece. Tira partido. Vai aparecer alguém, é claro (sempre aparece!) , para dizer que esta personagem se aproxima de Macunaíma. Será mesmo? Talvez, quem sabe. Não vou me ater a isso aqui. No entanto, aproveitando a deixa, quem sabe o ponto seja a falta de caráter (que não há na personagem italiana) o que move estes “críticos descolados” de plantão. Resta lembrar que no caso brasileiro, a tal “ausência” não é de fato, uma característica negativa, criminosa. Ao contrário, é ausência de “falta” mesmo, de inexistência. Equivaleria usar “herói sem nenhum caráter” no sentido de vazio de caráter. O que leva a outra possibilidade: a variada grama de nuances de caráter que a personagem Andradina carrega em si. Mas isso já foi longe demais. Interessa-me aqui o italiano e sua graça um tanto mambembe, como circo de lona com leão desdentado, macaco careca e elefante magro. É este o clima, quero crer. A passagem do tal “finado” pela face da terra, ainda que ficcional, não deixa dúvida. Ao fim e ao cabo. Termino o que vim fazer. Fica, como de hábito, o convite para ler estas três obras inconfundíveis, admiráveis. Punto i basta!

 

 

 

 

25.07.23

Dois livros

Foureaux

A conquista, do Coelho Neto e Homens imprudentemente poéticos, do Valter Hugo Mãe. O que eles têm em comum? Nada. Absolutamente nada, a não ser o fato de eu os ter lido recentemente. Na verdade, o romance do brasileiro foi relido. Descobri isso por conta das anotações que fiz ao longo do texto e das palavras desconhecidas (para mim) circuladas. Tenho essa mania. Uns dizem que é um sacrilégio riscar ou livros ou escrever neles. Não vou nessa onda. Escrevo, faço perguntas, sublinho passagens inteiras. Um hábito ou uma mania, vai saber. Sei que o faço. Punto i basta! Já o romance do português li num impulso. Fazia tempo que o havia comprado e já estava bem coberto de pó na estante. Tirei-o. Li-o. E... Bem, os comentários virão logo a seguir. Como soe acontecer, minha proverbial preguiça me levou a consultar a Wikipedia e a página da Amazon à procura de comentários, observações e/ou resenhas acerca dos livros. Encontrei, respectivamente, o que segue. 

A Conquista é um roman à clef, ‘romance de formação e de vida boêmia’ (Alexei Bueno, “Coelho Neto e Inverno em flor”, em Machado, Euclides & outros monstros, pp.130-1), do escritor brasileiro Coelho Neto. Foi publicado em 1899. Narra as aventuras e desventuras (e falta de dinheiro e às vezes até de perspectivas de sucesso) de sua geração de poetas, teatrólogos, jornalistas, intelectuais, boêmios na cidade do Rio de Janeiro nos anos em que a campanha abolicionista (e o movimento republicano) estão a pleno vapor e que culminam com a libertação dos escravos. “Em A conquista, temos a reconstituição da vida literária dos fins do século XIX, livro do triunfo da geração boêmia. A narrativa nasce das andanças e encontros aleatórios pela cidade. Os boêmios em suas desventuras romanescas flanavam pelo Rio de Janeiro.” (Alessa Patricia Dias da Silva e Leonardo Mendes, Coelho Neto na Rua do Ouvidor: experiência urbana e modernidade no romance brasileiro do final do século XIX, p.33). Dentre os romances brasileiros é o que mais se aproxima da escrita de Eça de Queiroz na variedade de personagens (jovens), profusão de diálogos, riqueza descritiva. (Ivo Korytowski, “Ruas do Rio segundo Coelho Neto”, postagem em seu blogue Literatura &Rio de Janeiro). Aqui está a “chave” dos nomes no romance e reais dos principais personagens da obra: Anselmo Ribas é Coelho Neto (escritor), Rui Vaz é Aluísio Azevedo (escritor), Paulo Neiva é Paula Ney (poeta e jornalista da/na belle époque carioca), Luiz Moraes é Luís Murat (jornalista, poeta, filósofo e político brasileiro), Octávio Bivar é Olavo Bilac, Fortúnio é Guimarães Passos (poeta), Artur é Artur Azevedo (dramaturgo), Pardal é Pardal Mallet (jornalista e romancista), Lins é Lins de Albuquerque (Historiador, memorialista, poeta e político), Montezuma é Orozimbo Muniz Barreto (não encontrei informações sobre ele). O abolicionista José do Patrocínio é chamado pelo nome completo ou pelo sobrenome Patrocínio. A Conquistarefere-se à principal conquista comemorada por aquela geração: a abolição.

Em Homens imprudentemente poéticos, Valter Hugo Mãe apresenta os personagens Itaro, o artesão, e Saburo, o oleiro, vizinhos e inimigos num Japão antigo, onde a morte e a ausência de amor servem de pano de fundo para a linguagem lírica do autor que, com sua linguagem única, tornou-se a grande voz da literatura portuguesa contemporânea.

Vou deixar passar a oportunidade de teorizar sobre o roman à clef (romance a chave, em tradução livre e literal), categoria de narrativa que ladeia o bildungsroman (romance de formação) que já figuraram, entre outras, nas galerias mais visitadas da Teoria da Literatura. Trata-se, no caso de A conquista, de narrativa que relata idas e vindas, sonhos e decepções, projetos e armadilhas, de personagens que têm referência subliminar seja através do nome (como é o caso) seja por outras formas de referenciar a realidade por detrás da fantasia, para lembrar Eça de Queirós, em A relíquia: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”. O que se diz sobre o romance de Coelho Neto acima é verdade e faz sentido. O romance atrai pela variada gama de personalidades, acontecimentos diuturnos do Rio de Janeiro finissecular, em que a abolição ainda é tema. Uma forma de ver a História contada por linhas (tortas?) de um ficção divertida e séria simultaneamente. Linguagem escorreita, bem como a pena de Coelho Neto, mestre da Língua Portuguesa. A meninada de hoje não ia gostar: não sabe o que está perdendo. É saboroso. Devem preferir o outro, o português que, de fato, faz uma diatribe ficcional – opinião mais que sincera e pessoal – que, de fato, vai agradar aos “descolados” de plantão: aqueles que não sabem o concreto, abissal e espesso conceito de crítica literária. Não sei o que deu em Valter Hugo Mãe, autor que aprendi admirar, sobretudo, nos primeiros livros a cometer essa quase sandice. Só não o é por conta da linguagem poética que ressuma a desejo de aproximar-se, se não, identificar-se a uma cultura milenar, anos luz distante da própria: ocidental, lusitana. Triste. Não gostei desse livro Uma pena. O escritor português, a meu ver, “perdeu a mão”.

Como se viu, não fiz crítica, apenas expressei minha opinião sobre dois livros que não têm a menor chance de encontrarem ponto comum, salvo pelo fato de serem escritos em Língua Portuguesa E só. Leiam. degustem, sobretudo o brasileiro. depois venham me dizer de suas impressões.

 

05.03.23

Livro

Foureaux

Penso em escrever um livro de memórias de uma outra pessoa. Uma personagem, obviamente, inventada. Seu nome, até que eu mude de ideia é Temístocles Praggi. Tem uma história peculiar e deixou de herança, para um amigo muito próximo, a missão de publicar suas memórias com alguns cuidados. Não vou revelar-los aqui e agora, claro! Mas ando pensando muito nisso. vai ser um livrão. Vai aparecer, em algum momento do livro, uma mensagem que recebi de uma editora, dando explicações do porquê não aceitaram meu livro para publicar e acrescentando "dicas" do que fazer para queque livro seja aceito por qualquer editora e tenha sucesso. Na hora que li a mensagem, fiquei dividido entre a raiva mais incontrolável e o acesso de riso que acabou por vencer. Quase engasguei de rir com a capacidade de intromissão e a empáfia de determinar oq ue vai ser necessário para o sucesso do meu livro. Quanta pretensão. Se eu escrever mesmo o livro, quem o ler vai saber do que estou falando. O trecho que segue faz parte dele.

"Não escrevi nada desde o carnaval. Fico pensando nos “conselhos” que o povo de oficina de escrita criativa e os famigerados “editores” – principalmente das editoras pequenas, aquelas que trabalham em “colaboração” – quando dizem que o “bom escritor” tem que escrever todos os dias, que a rotina e o método são essenciais para o sucesso da obra, e coisas equivalentes. Mas o que é mesmo um “bom escritor”? Sempre que penso nisso, me vem à mente um artigo do Antonio Candido intitulado “No raiar de Clarice Lispector”. Se não me equivoco, foi o primeiro artigo escrito sobre a obra da então “nascente” escritora. Até então uma ilustre desconhecida no “mundo das letras”, apesar de trabalhar como jornalista que era. Logo no começo de seu ártico, Antonio Candido afirma: “Por isso tive verdadeiro choque ao ler o romance diferente que é Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector, escritora até aqui completamente desconhecida para mim. Com efeito este romance é uma tentativa impressionante para levar a nossa língua canhestra a domínios pouco explorados forçando-a adaptar-se a um pensamento cheio de mistério: para o qual sentimos que a ficção não é um exercício ou uma aventura afetiva, mas um instrumento real do espírito, capaz de nos fazer penetrar em alguns dos labirintos mais retorcidos da mente.” Como não estou escrevendo um trabalho acadêmico, mando às favas as famigeradas normas. Note-se que o autor afirma que a escritora é desconhecida “para ele”. Isso quer dizer que ele pode não ter sido o primeiro a ler a obra de Clarice Lispector em questão.  Outra coisa é ao fato de ele considerar “canhestra” a Língua Portuguesa. O que será que ele quis dizer com isso? O que ele afirma sobre ficção acaba por ser suplantado pela opinião de que a escrita de Clarice Lispector é, na leitura que dela faz Antonio Candido, caminho para penetrar ‘em alguns dos labirintos mais retorcidos da mente”. Essa é a opinião dele. Até prova em contrário, primeiro “julgamento” crítico da obra então nascente de Clarice Lispector. O que eu quero com isso? Nada mais que sublinhar o fato de que se, salvo engano, Antonio Candido foi mesmo o primeiro a explanar sua opinião sobre o romance de Clarice Lispector – no artigo ele faz comparações de cunhos analítico com outros escritores brasileiros, argumentando com ideias acerca de ficção, de série histórica e de “efeito de obra” – tudo o que ele disse pode ser tomado como expressão de uma verdade até então desconhecida. Ou não? Ora, se assim for, chega-se à conclusão de que é possível que seja outra a “verdade” expressa pela obra da escritora. Basta considerar que outras pessoas podem ter lido o mesmo livro que Antonio Candido e que, por conta disso, tiveram outra “impressão” do livro, formaram sobre ele outra opinião. Viu como é fácil desfazer o mito de que a crítica é infalível, ou por outra, como a posição de um crítico é apenas mais uma, sobretudo se outros leitores não tiveram a mesma opinião daquele que primeiro escreveu sobre determinada obra? O critério da “objetividade” se autodestrói e deixa aberta uma ferida que, até hoje, nenhum “teórico” foi capaz de deslindar. Tomara que não venha a existir tal “teórico”, dado que se vier a existir, toda a Literatura, como fenômeno cultural que é, deixará de ter sentido, poderá, mesmo, deixar de existir... Mas isso é apenas a minha opinião."

31.01.23

Releitura

Foureaux

Acabei de reler pela terceira ou quarta vez, já perdi a conta, um romance monumental: Os Maias, do Eça de Queiroz. Ou será Queirós? Queiróz? Talvez Queirós? Vai saber. Já estou definitivamente afastado dessas firulas ditas acadêmicas. Isso não tem a menor importância aqui. O que vale mesmo é o “peso” do livro, inclusive, em sentido literal. Longe de mim dizer que o tal “peso” denota desarranjo, dissabor, desprazer ou dificuldade. Longe mesmo! O romance é mesmo monumental e seu peso é de glória, de realização, de importância. É o que vale. Eça, neste romance, dá uma lição de ritmo narrativo. Ouso dizer que mais prazer me causou o tal ritmo em Raquel de Queiroz e em José Lins do Rego. Mas vá lá, no Eça, tem-se outro exemplo cabal de maestria no domínio desta peculiaridade narrativa. O primeiro capítulo (se não me engano um dos mais curtos do romance, se não o mais curto), corre ligeiro e coloca, de imediato, em cena, a estrela principal: Carlos da Maia. A seu lado, um pouco mais adiante, aparece aquela que, para mim é a outra personagem central, literalmente central, do romance: João da Ega. O dramatis personae composto pelas demais figuras narrativas que aparecem é apenas complementar, fundamental, mas complementa a centralidade acachapante de Carlos e João. Que dupla! Numa pincelada ágil, volátil, certeira, a vida de Pedro da Maia, a história de Pedro e o aparecimento de Carlos da Maia no cenário da Lisboa de sempre – sob a pena do escritor português – se dá, aparentemente, num estalo se comparada ao restante dos episódios que vão sendo cirurgicamente costurados pela voz narrativa que tudo sabe, tudo vê, tudo explica. A ironia do autor, obviamente, dá o ar de sua graça. Nessa releitura, não fiz como na imediatamente anterior. Nesta, procurava reencontrar uma cena em particular: Carlos da Maia vai à casa de João da Ega e o encontra a sair do quarto onde está outro rapaz. A cena, se a minha memória não me trai, é rapidíssima e não apresenta – ainda uma vez, aparentemente – nenhum desdobramento inescapável para a economia do romance. Eu digo isso sob a égide de uma perspectiva particular de leitura, o que não invalida as outras, por um lado. Por outro, esta mesma perspectiva intenta descortinar novos horizontes de expectativas para a mesma fortuna crítica do romance. Ocorre que chegou aos meus ouvidos um alerta sobre alguém que se sentiu “curioso” com a referida cena. Devo confessar que quando da penúltima leitura, não consegui localizar a dita cuja. Nesta última, a partir da qual escrevo hoje, isso não estava nas minas intenções subliminares, mas, confesso, foi superado por uma surpresa ainda maior. Mais tarde volto a isto. Pois então, o tal alerta apontava para a cena a que me referi no sentido de estranhar que um autor como Eça pudesse deixar entrever um resquício que fosse de algo fora dos padrões morais e socioculturais de sua época. Esta é a segunda parte do que vou tratar daqui a pouco. Voltando à leitura atual, há de ratificar a extrema acuidade com que Eça monta seu quebra-cabeça ficcional. O enredo fala de um casamento fortuito e circunstancial (Pedro e Maria Monforte, a negreira), sob o olhar embevecido de seu pai (Afonso da Maia). O universo masculino preponderante, apresenta, então, nesta altura da narrativa, um quadro ínfimo de personagens femininas, todas elas acessórias, decorativas. No segundo passo do romance, quando Carlos se forma, e retorna de uma viagem longa para complementar sua “formação, o quadro feminino é acrescido de outras figuras femininas, eu diria, igualmente decorativas, com exceção da Gouvarinho – que colabora para a exposição de tese interessante sobre o comportamento masculino e feminino numa Lisboa em fase de transição sociocultural. Nesta altura, a atenção do leitor se volta para a evolução moral de sua estrela principal, Carlos da Maia, até o momento em que conhece Maria Eduarda. Já estamos no terceiro passo do romance. Nesta fase, a “maturidade” afetiva de Carlos parece estar consolidada. É quando se percebe, subliminarmente, que Carlos não trabalha, mas vive das rendas da família, numa abundância digna dos detalhes concebidos e outorgados pelo autor. Ao chegarmos ao passo final, o desenlace se dá de maneira trágica: a descoberta do incesto, por conta de uma “peripécia” do passado dos Maias, segredo guardado a sete chaves pelo avô, patriarca. Maria Monforte junta-se com um nobre italiano e abandona Pedro, que se mata. Do casamento com o português, nascem dois filhos: Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Na fuga, a adúltera vai para Paris levando a filha. Anos depois, tem outra filha, em Londres, que morre. Deixa chegar aos portugueses a notícia de sua morte, mas sem esclarecer que se trata da segunda filha. Está armado o circo – será que ela fez de propósito? – para os que ficaram em Lisboa. Com o passar do tempo, o fatídico acontece propiciando o encontro e o envolvimento amoroso – sério, profundo – entre Carlos Eduardo e Maria Eduarda, irmãos, mas ignorantes do fato. O final não poderia ter sido outro. O patriarca morre de desgosto – ainda que o Vilaça assevere que foi consequência de patologia cardíaca – Carlos Eduardo desfaz o compromisso com Maria Eduarda que vai para Paris e... aí é que mora o busílis. A minha surpresa nesta releitura. Se a cena em que João da Ega sai de seu quarto deixando lá um rapaz sob o olhar desconfiado de Carlos é um tanto instigante, o final do romance, ousaria concluir, é definitivo. Como disse antes, as mulheres, neste romance, desempenham papel decorativo. O mundo masculino é o cenário ideal pintado pela pena do escritor português que, através dele, esmiúça as entranhas da sociedade portuguesa, mais uma vez, com finalidade não explícita. Por isso, eu disse, o peso do romance. Ele deixa a cargo do leitor- mas nem tanto – a função de terminar o real sentido de suas insinuações. É nesta perspectiva que me admiro, positivamente com o final do romance. De certa forma, ele comtempla e confirma dúvida que paira quando da cena do quatro do João da Ega. No final do romance, depois de superadas as perdas e resolvidas as questões, digamos, práticas do imbróglio em que se meteu Carlos da Maia, ele e seu “fiel” amigo fazem uma longa viagem juntos. E não há referência à presença fundamental de mulheres, ainda que se possa, com toda tranquilidade, intuir que elas estarão presentes no périplo dos dois amigos. Na volta, quando de uma visita ao ramalhete, lá estão os dois, de novo, sós, um e outro, a combinar pândegas. E o romance acaba com uma corrida para pegar o comboio que os vai levar a mais uma de suas “farras” com os “rapazes” finos da então nobre sociedade portuguesa. Mais não digo...

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