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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Julho 29, 2024

Foureaux

th.jfif

A última postagem que fiz aqui foi no dia 7 de junho passado. Já lá se vão 52 dias. A mudança para o litoral ainda se faz presente nos detalhes da instalação de coisas numa casa já muito conhecida e pouco habitada, porque temporária até o dia 11 de junho, dia em que aqui cheguei de mudança. Eu poderia ter dito que a mudança foi para Marataízes, no Espírito. Por que não o fiz? Porque, de certa forma, penso que ficaria mais “bonito”, dizer “litoral”, em lugar de dar nome ais boias: citar toponimicamente o meu destino. Pois é. Manias... Estou aqui há quase dois meses, com um intervalo lusitano pelo meio, a repetir uma viagem que faço anualmente e que desejo substituir... bem... não vem ao caso agora. Nesta tentativa de retomada de um ritmo que, já sei, não vai se manter, duas coisas me movem, como motivação para escrever: um poema encontrado ao acaso, enquanto zapeava na tela do celular pela manhã, mais cedo. A outra coisa é a vontade de escrever umas duas ou três páginas sobre as poesias de um amigo (ainda) virtual) o Rolando Paciente, da Argentina. Vamos ver se consigo. O poema encontrado casualmente é um soneto. Peculiar, eu diria, pois não apresenta as características tradicionais consagradas para esta forma poética. É o que segue:

SONETO DE JÓ

Este grito, que é rio amargo, choro

que não é meu apenas, mas de todos

que o filtro das insônias decantou,

ouve-o, Senhor, que é grito de infelizes.

 

Perdi-me e Te procuro pela névoa,

no céu em fogo, no calado mar.

A Teus pés volto. Faça-se o que queres.

Tanto me deste que por mais que tires

 

sempre me resta do que Tu me deste.

Deus necessita do perdão dos homens

e é esse perdão que venho Te trazer.

 

Com o coração rasgado, mas ao alto,

Senhor, te entrego os filhos que levaste

pelo amor dos meus filhos que ficaram.

 

(Odylo Costa Filho, Cantiga incompleta, 1971.)

Quanto ao outro texto, talvez amanhã eu o coloque aqui, talvez depois de amanhã... “quizáz, quisáz, quisáz” (na voz de nato King Cole)

Junho 29, 2023

Foureaux

Voltar. Verbo transitivo indireto e intransitivo. Tem o sentido de: vir ou ir (de um ponto ou local) para (o ponto ou local de onde partira ou no qual antes estivera); regressar, retornar. Como transitivo indireto e bitransitivo significa restituir ou ser restituído (a quem possuía ou ao local de onde fora retirado); devolver ou ser devolvido; retornar. Em qualquer das duas “situações, para mim, é um prazer, sobretudo quando objeto e fundamento, sentido e razão do “voltar” é esta cidade encantadora que leva o nome de Lisboa. Conheço-a desde 1988, quando cá estive por primeira vez. aqui, toda vez que venho, sinto como se estivesse voltando para casa. Hoje, de novo aqui, antes de sair de casa, lembrei-me de um poema: Lisboa revisitada, 1926. Claro que tinha de ser do heterônimo Álvaro de Campos. Depois dele... digo mais nada! (Ah... a foto ilustrativa, eu tirei da internete).

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Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram,

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida…

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;
Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas coortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida…
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui…
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar,
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo — Lisboa e Tejo e tudo —,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver…

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através de sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir…

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim ―
Um bocado de ti e de mim!…

 

 

 

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