Entrevista
Uma pequena entrevista que não agrada a muita gente. Como também não agradam à mesma gente os livros que este homem escreve. No entanto, não posso deixar de dizer que o admiro pela competência, pela clareza, pelo conhecimento e pela assertividade que demonstra. Um homem inteligente que atinge o ponto fraco, sem o intuito de ferir por ferir. Denuncia o equívoco, demonstra sua organicidade e aponta as maneiras possíveis de encontrar a resposta mais adequada – jamais a “certa”, nem a “definitiva”, como aqueles que se com ele se incomodam.
Até setembro de 2016, o canadense Jordan Peterson era um pacato professor de psicologia clínica na Universidade de Toronto, que mantinha um canal no YouTube popular entre os alunos e tinha escrito um ... livro pouco conhecido sobre a relação entre psicologia, política e religião. A aprovação da Lei C-16, no Canadá, que tornou crime a discriminação contra transexuais, travestis e “pessoas não binárias”... (as que não se identificam nem como homem, nem como mulher), acabou com a calmaria e fez de Peterson uma espécie de popstar. Enfurecido com o fato de poder ser processado se deixasse de usar os chama... pronomes neutros – ze em vez de he ou she, equivalente ao “elx”, popularizado na internet, para ele ou ela em português —, Peterson pôs a boca no trombone contra o que via como excessos da lei. Um debate sobre o tema na TV inglesa com sua participação foi visto mais de 13 milhões de vezes no YouTube. Alçado a porta-voz do politicamente incorreto, viu seu segundo livro, 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos (Editora Alta Books) em oito meses virar bestseller, com mais de 2 milhões de cópias vendidas no mundo (e quase 75.000 exemplares no Brasil). De Oslo, escala da turnê de divulgação do livro, Peterson falou a VEJA por telefone.
O senhor ganhou projeção internacional ao se opor à lei que regulamenta o uso de pronomes neutros para transgêneros. Qual é o problema com a lei?
A maioria dos que a apoiam afirmam que, na construção da identidade humana, o sexo biológico, a expressão do gênero e as preferências sexuais de uma pessoa podem variar de modo completamente independente, pois são meras construções sociais. Isso não é verdade. Estes fatores não apenas não variam de forma independente, como estão intimamente relacionados. É claro que, em algum grau, são construções sociais, mas menos do que os ativistas alardeiam. Não gostei de ver aprovada uma lei baseada em uma premissa tecnicamente falsa só para cumprir uma agenda ideológica, sem reflexão a respeito e sem consideração pelas consequências – a começar pela restrição da liberdade de expressão.
A lei não é uma forma de garantir os direitos dos transgêneros?
Garantir estes direitos não tem nada a ver com a forma como são chamados. Esta é uma escolha voluntaria. Eu não tenho nada contra usar com meus alunos o pronome que eles preferirem. Mas o governo decidir como a pessoa vai se expressar só para agradar uma parcela da sociedade é errado. Não se pode colocar limites na forma de expressão. Recebo muitas cartas de pessoas transexuais que apoiam meu trabalho, se incomodam com o papel de símbolo de uma campanha da esquerda ultrarradical pela dissolução das identidades clássicas e querem mesmo é tocar sua vida privada da melhor forma possível.
Não seria saudável e até justo proteger a população LGBT de discursos nocivos?
De jeito nenhum. É precisamente o oposto. A conduta correta para lidar com a vulnerabilidade é identificar a razão, criar uma hierarquia de medos e aprender a confrontá-los e dominá-los. Proteger é uma abordagem errada. A história da psicologia clínica nos últimos 150 anos comprova que a exposição voluntária da pessoa ao que a ameaça ou incomoda é o caminho certo para ganhar coragem e superar problemas. A ideia de que proteger as pessoas é agasalhá-las em seus micro espaços, para que nunca ouçam uma opinião que as ofenda ou contradiga, só faz com que elas se tornem mais fracas e amargas.
O senhor já declarou que a capacidade de pensar embute o risco de ser ofensivo. É impossível debater sem ofender?
É claro que você deve procurar ser sempre o mais gentil possível. A questão é que só precisamos pensar de verdade quando aparece um problema de solução importante, até de vida ou morte. Se a solução é tão importante, haverá várias formas de discuti-la, nem sempre compatíveis entre si – e aí começa o debate conflituoso. Os pontos de vista sempre vão colidir quando o que está em jogo é tentar mudar a maneira de a outra pessoa ver o mundo. É impossível ter esta discussão sem conflito, mesmo procurando ser o mais gentil possível.
Fonte: Jordan Peterson: A liberdade de expressão é perigosa; a alternativa é pior | VEJA (abril.com.br)