Maio 07, 2023
Foureaux
Uma história deve ter começo, meio e fim. Assim não fosse, não seria uma história. Partindo deste princípio, pensar numa história ao contrário – para não usar um anglicismo desgastado – pode ser uma experiência fascinantes, ainda que corra o risco de perder seu sentido, sua lógica. Não é o que acontece com Memórias póstumas de Brás Cubas. Neste romance, Machado de Assis inventa um narrador (Inventa?) que escreve depois de ter morrido. Ele começa narrando o próprio velório e daí para trás. É fascinante. É hilário. É duro. Pensei nisso depois de ouvir um trecho de entrevista concedida por Nélida Piñon, no programa Roda viva. Não vi o programa. Não sei do inteiro teor da entrevista. Restrinjo-me ao trecho publicado por alguém numa dessas “redes sociais” que pululam por aí. Não interessa qual. O que interessa é o que a entrevista. Parece que a propósito de uma pergunta ou provocação acerca da educação nos estados. unidos de bruzundanga, a escritora afirma que o sistema educacional brasileiro é frágil e ineficiente, sobretudo porque não se preocupa em formar leitores. O comentário aqui expresso não é, literalmente, o que disse a escritora. Tento transcrever o que ela disse. Estou com preguiça. Não vou gastar o pouco de vontade que me deu de escrever para tentar localizar a posagem com o vídeo para verificar a veracidade de minha transliteração. Meu comentário se atém à ideia exarada pela escritora, em seguida a seu comentário sobre educação, quando afirma que é um erro obrigar uma criança a ler Machado de Assis. Outra coisa que ela diz é que Machado de Assis é leitura para um leitor “pronto”. O adjetivo é literal. Ora, leitor pronto. Como chegar a sê-lo se não se lê, estando ou não preparado. Leitor pronto não quer dizer, por suposto, leitor que não precisa ler mais – sobretudo ficção e poesia, como dizia certa professora de certa universidade em certa cidade de certo estado brasileiro; e falava com altivez, orgulho, como se isso fosse, mesmo, um atributo superior... – e está isento de qualquer falha em suas leituras. Entendo o que Nélida Piñon quis dizer. Não entrar numa discussão de cunho teórico ou opinativo sobre o assunto. Em vez disso, conto uma passagem que vivi pessoalmente na França. Uma menina de oito anos, veio da escola com uma tarefa que exigia dela a leitura de certo trecho de uma peça de Racine. Oito anos. A avó da criança, que tinha as obras de Racine em casa, pegou o volume com a referida peça e leu com a neta o trecho. A menina comentou que na escola tinham lido outro trecho e que ela, em casa, entendeu o que a professora disse. Conversou com a avó sobre Racine, de maneira a dar a entender, a mim que observava estupefato e mudo, que a personagem que aparecia em ambos os trechos lidos tinha tais e tais características que justificavam o que ela teria dito na peça. Oito anos de idade. Leitora de Racine. Seria uma “leitora pronta”? deixo a pergunta. Quem tiver vontade que responsa, se quiser responder por óbvio...