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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Setembro 12, 2023

Foureaux

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Melancolia. Ceticismo. Ironia. Três palavras. Seu significado pode ser mais ou menos considerado, levando-se em conta quem as usa, com que finalidade, de que maneira. Em que contexto. Difícil? Depende, nem tanto de quem as usa, talvez um pouco de quem as lê, depois de usadas. De qualquer maneira, estas palavras são vocábulos a identificar situações, subjetividades, linguagens, não necessariamente nesta ordem! Antes de mais, é preciso alertar que isto não é um tratado ou ensaio ou trabalho de cunho acadêmico. Logo, não sou obrigado a ficar usando as firulas que as normas deste tipo de texto exigem. Digo, apenas, que tirei as definições dos três termos da Wikipedia, sem nenhum pudor. E fiz alguns ajustes por minha conta e risco. Vamos lá! Um pouquinho de obviedade não mata ninguém! Melancolia vem do grego μελαγχολία – melagcholía; de μέλας — mélas, “negro” e χολή — cholé, “bílis”. É uma tristeza vaga, permanente e profunda, que leva o sujeito a sentir-se triste e a não desfrutar dos prazeres da vida. Ela pode surgir devido a causas físicas e/ou morais. Os estudiosos consideram que a melancolia, à semelhança da tristeza e de outras emoções, passa a ser patológica a partir do momento em que altera o pensamento normal do indivíduo e dificulta o seu desempenho social. Por exemplo: é considerado normal uma pessoa sentir-se melancólica uma tarde qualquer e, assim, ficar em casa sem fazer nada. Em contrapartida, se esse comportamento se repetir durante vários dias e o sujeito abandonar a sua vida social ou as suas obrigações, a melancolia passa a ser um tipo de depressão que requer tratamento. Ceticismo é qualquer atitude de questionamento para com o conhecimento, fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Filosoficamente, é a doutrina da qual a mente humana não pode atingir certeza alguma a respeito da verdade. O ceticismo filosófico é uma abordagem global que requer todas as informações suportadas pela evidência. Em sua vertente clássica, deriva da Skeptikoi, uma escola que “nada afirma”. Adeptos de pirronismo, por exemplo, suspenderam o julgamento em investigações. Os céticos podem até duvidar da confiabilidade de seus próprios sentidos.Ironia vem do grego antigo εἰρωνεία, ou  eironēia, ‘dissimulação’; é uma forma de expressão literária ou uma  figura de retórica que consiste em dizer o contrário daquilo que se quer expressar. Na literatura, a ironia é a arte de zombar de alguém ou de alguma coisa, com um ponto de vista a obter uma reação do leitor, ouvinte ou interlocutor. Ela pode ser utilizada, entre outras formas, com o objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar algo. Para tal, o locutor descreve a realidade com termos que aparentemente conferem valor, mas com a finalidade de desvalorizar. A ironia convida o leitor ou o ouvinte, a ser ativo durante a leitura, para refletir sobre o tema e escolher uma determinada posição. O conceito de  ironia socrática, introduzido por Aristóteles, refere-se a uma técnica integrante do  método socrático. Neste caso, não se trata de ironia no sentido moderno da palavra. A técnica de Sócrates, demonstrada nos diálogos platônicos, consistia em simular ignorância, fazendo perguntas e fingindo aceitar as respostas do interlocutor (oponente), até que este chegasse a uma contradição e percebesse assim os erros do próprio raciocínio. Pois bem. São três palavras que escolhi para, ousadamente, relacioná-las a três homens Italo Zvevo, Fiodor Dostoievski e Luigi Pirandello. De novo, não necessariamente nesta ordem – no que diz respeito às três palavras “chave”! Esse escritores, aqui, comparecem, cada um, com uma de suas muitas obras: A consciência de Zeno, Os irmãos Karamazov e O finado Mattia Pascal. Agora sim, respectivamente, em relação a seus autores. E só! Os três me impressionaram recentemente. Um deles, o romance russo, em releitura. O italiano, Zvevo, foi a realização de um desejo já antigo. O outro, Pirandello, curiosidade aumentada depois da leitura de uma famosa peça de sua autoria – Seis personagens à procura de um autor. O título desta peça pode ter traduções variadas (em italiano, Sei personaggi in cerca d’autore – onde “cerca” pode ser traduzido por às voltas, à procura, em busca, por exemplo. Cada um que traduza como quiser). Pois bem. Impressionante é o mínimo que se pode dizer destes três livros. O de Dostoievski chega a um estado trágico tal que é difícil transcrever ou traduzir. O enredo que pões em xeque um parricídio e todo um universo de elucubrações – as mais variadas e profundas – acerca da religião, da fé, da moral. Isso para não deixar de falar da culpa e de tudo o que ela envolve. Repete-se, aqui, o mesmo clima que em outro livro do mesmo autor, Crime e castigo. Creio que a chave de interpretação é a mesma, ainda que a “crítica” seja regular em considerar o livro de que trato aqui como a summum opus de Dostoievski. Questão de opinião. Não me prendo a isso. O que me impressiona neste livro é, mesmo, como a melancolia é a ponta do lápis com a qual o autor vai desenhando as cenas, caracterizando as personagens, mesclando os episódios. Não chega a ser idêntico, o tom usado, como no caso de um outro seu conterrâneo. No entanto, acredito ser possível afirmar que é esmo a melancolia o diapasão desta orquestra monumental ensejada pela narrativa de Dostoievski. O dramatis personnae do/no romance concerta, como em outras obras do autor, uma série inumerável de traços constitutivos da personalidade humana em praticamente todas as suas nuances. Quando leio Dostoievski, tenho a sensação de estar escutando as sinfonias de Gustav Mahler. Mais uma idiossincrasia. Fato é que o cartapácio não é indigesto, mas trabalhoso. Requer constância e dedicação dado que vai fundo nos dramas humanos aparentemente mais banais, por sua capacidade análise detalhada, profunda e atenta. A Psicanálise deita e rola.  Da mesma forma que no romance de Italo Zvevo. Em seu primeiro capítulo, A consciência de Zeno já dá a entender a que veio. E a dona Psicanálise lá está, numa nota que se espraia pelo fértil campo misturado de ceticismo e indiferença, quase sarcasmo. Sim considero este romance um relato que ressuma a ceticismo. Esta é a sua “nota”, a meu ver. Zeno se desfaz em considerações narrativas que não me deixam alternativa. Com isso, não quero dizer que não haja outra perspectiva de abordagem. Longe de mim. Quem me conhece sabe que, como leitor, sou dos mais infenso a unanimidades e verdades absolutas ditas com a empáfia dos ignorantes! Nelson Rodrigues “acertou na mosca”! Zeno é uma personagem que convive com a morte em outra perspectiva. Diferente daquela em que Dostoievski pode ser lido. Não há, propriamente, melancolia em suas palavras, descrições, imagens e relatos. A personagem central se depara com fatos e situações que o fazer evolar-se como a fumaça de um cigarro. Não pela leveza e sensualidade, mas pela brevidade e evanescência. Algo que é impossível tocar, mas inadiavelmente presente. Não há, neste romance, a mesma solenidade trágica que há no livro de Dostoievski. No entanto, sua espessura filosófica é de igual quilate, assim como a acuidade com que encara e apresenta as situações a que um sujeito pode vir a encarar ao longo a existência. Por fim, O finado Mattia. Já tinha ouvido falar desse livro, mas não tive curiosidade suficiente para buscas por ele. Veio-me por assinatura (Clube de Literatura Clássica, de que sou membro, na tentativa de formar uma biblioteca “de peso” para minha sobrinha neta. Ainda que eu duvide que ela vá ler todos os quase quarenta volumes já listados e publicados. Vá lá! Valeu o esforço. Eu li, ao menos...). Neste romance do italiano Pirandello, Mattia Pascal é um homem que morre sem morrer. É dado como morto. Reconhecido como tal pela mulher e pela sogra, ao mesmo. Mas não morre. Foge e vai para outros rincões italianos de onde volta para susto – y otras cositas mas – dos que o julgavam na terra dos pés juntos. Uma dívida é, ao que parece, o estopim de toda a tragédia. Que, de fato, não acontece. Aqui, impera a ironia. A situações é, por si só, tão esdrúxula que não deixa margem para outra reação que a do riso. Talvez um tanto amargo, beirando o sarcasmo, mas riso. A personagem central narra suas aventuras e desventuras desfraldadas por uma morte que não acontece. Tira partido. Vai aparecer alguém, é claro (sempre aparece!) , para dizer que esta personagem se aproxima de Macunaíma. Será mesmo? Talvez, quem sabe. Não vou me ater a isso aqui. No entanto, aproveitando a deixa, quem sabe o ponto seja a falta de caráter (que não há na personagem italiana) o que move estes “críticos descolados” de plantão. Resta lembrar que no caso brasileiro, a tal “ausência” não é de fato, uma característica negativa, criminosa. Ao contrário, é ausência de “falta” mesmo, de inexistência. Equivaleria usar “herói sem nenhum caráter” no sentido de vazio de caráter. O que leva a outra possibilidade: a variada grama de nuances de caráter que a personagem Andradina carrega em si. Mas isso já foi longe demais. Interessa-me aqui o italiano e sua graça um tanto mambembe, como circo de lona com leão desdentado, macaco careca e elefante magro. É este o clima, quero crer. A passagem do tal “finado” pela face da terra, ainda que ficcional, não deixa dúvida. Ao fim e ao cabo. Termino o que vim fazer. Fica, como de hábito, o convite para ler estas três obras inconfundíveis, admiráveis. Punto i basta!

 

 

 

 

Maio 05, 2022

Foureaux

Cheguei ao fim da terceira leitura de Guerra e paz, de Tolstói. Que livro chato. E quem me lê não vai sequer vislumbrar a mais pálida ideia do prazer que sinto quando digo isso: que livro chato. Como não tenho que pedir benção a ninguém (aposentei-me como titular de Literatura Portuguesa e Comparada, portanto, no topo da carreira), não tenho nenhum pudor em dizer e repetir: que livro chato! O mesmo eu já tinha dito, alhures, sobre outro romance: À la recherche du temps perdu. Outra chatice. Imensa. Abissal, ainda assim, chatice. Com isso, não quero dizer que Tolstói e Proust sejam maus escritores ou que seus livros não prestam. Por óbvio que não! Aí sim, eu seria estúpido e desinformado. No entanto, reconhecer o lugar ocupado de um escritor numa série literária, não me obriga a gostar dele. Além disso, não me obriga também a subscrever o que dele se diz por aí, há anos... Longe disso. Quando dava aulas, sobretudo quando falei de Os lusíadas e Grande sertão: veredas, costumava dizer a mesma coisa. Costumava observar que o poema de Camões chegava a ser enfadonho por conta de sua constância. Tal sensação, no entanto, era dissipada pelo prazer de perceber a beleza das imagens, a elegância do desenrolar dos episódios e o maravilhamento da construção ficcional; desenvolvida pelo poeta. Obra de gênio. No entanto chata de ler, repito, por conta da estrutura. Há que ressaltar que variabilidade de estrutura nunca foi critério de valoração para obra de ficção – seja em prosa, seja em verso. Tolstói é um escritor mais que importante, mais que necessário. Gosto de Anna Karênina que li, também pela terceira vez. Termino a terceira leitura de Guerra e Paz para tentar, pela última vez – devo confessar – não me deixar vencer pela chatice do livro. Sucumbi à chorumela do francês. Mas o russo não. Em que pese a minha chatice de se ver na leitura do citado romance a acabar, devo reconhecer que certas passagens me fascinam: todos os embates entre Anna e o marido, a cena da corrida de cavalos, a cena inicial da morte na estação de trem – que, em certa medida, é revivida pela protagonista em seu suicídio. Os diálogos e a descrições são absolutamente impecáveis. Não há como negá-lo. No entanto, o resto, sobretudo as intermináveis, enfadonhas detalhadíssimas e, para mim, completamente insossas descrições de pormenores da guerra envolvendo Rússia e França chegam a perder completamente o sentido para mim, na leitura que faço do romance. No entanto, é admirável o conjunto dos ótimos capítulos do epílogo do romance. Para quem gosta se interessa pelas relações entre Literatura e História, para aqueles que se comprazem com os estudos acerca do romance histórico, estes capítulos finais são praticamente um tratado. Não sei dizer qual teria sido a intenção de Tolstói ao fazer o que fez. Penso, de qualquer maneira, que isso, de fato, não interessa! Basta reconhecer o que reconheci, ler o romance e pronto. Agora, não venham me obrigar a gostar dele. Não gosto!

 

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