É contra mim que luto.
Não tenho outro inimigo.
O que penso, o que sinto,
o que digo, e o que faço,
é que pede castigo
e desespera a lança no
meu braço.
Absurda aliança de
criança e adulto,
o que sou é um insulto
ao que não sou;
e combato esse vulto que
à traição me invadiu e me
ocupou.
Infeliz com loucura e sem loucura,
peço à vida outra vida,
outra aventura,
outro incerto destino.
Não me dou por vencido,
nem convencido.
E agrido em mim o homem e o menino.
Poesia
Ia (do verbo "não vou mais"...!) partilhar hoje um texto do Arnaldo Jabor que a Glória, amiga dileta, enviou-me ano passado, ainda em outubro. Desisti quando ouvi a declamação do poema que segue no youtube. Gosto imenso de Fernando Pessoa, sobretudo de três de seus quatro mais afamados heterónimos (como se escreve por lá, do outro lado do grande lago): Alberto Caeiro, Álvaro de Campos – preferidíssimo – e o ortônimo, por suposto.). Há sempre uma beleza invulgar em versos tão aparentemente banais e rasteiros. Há que ter olhos de ver e ouvidos de ouvir, porque poesia é Literatura para se ler em voz alta, sempre! Uživati!
Ah; querem uma luz melhor que a do sol!
Querem campos mais verdes que estes!
Querem flores mais belas que estas que vejo!
A mim este sol, estes campos, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontento,
O que quero é um sol mais sol que o sol,
O que quero é campos mais campos que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!
Aquela coisa que está ali estava mais ali que ali está!
Sim, choro às vezes o corpo perfeito que não existe.
Mas o corpo perfeito é o corpo mais corpo que pode haver,
E o resto são os sonhos dos homens,
A miopia de quem vê pouco,
E o desejo de estar sentado de quem não sabe estar de pé.
Todo o cristianismo é um sonho de cadeiras.
E como a alma é aquilo que não aparece,
A alma mais perfeita é aquela que não apareça nunca —
A alma que está feita com o corpo
O absoluto corpo das coisas,
A existência absolutamente real sem sombras nem erros
A coincidência exacta (e inteira) de uma coisa consigo mesma.
(12-4-1919 – “Poemas inconjuntos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa – Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha – Lisboa: Presença, 1994.) 1ª versão inc.: Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor. Lisboa: Ática, 1946.)