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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Setembro 01, 2022

Foureaux

Faz tempo, em três palavras destruí quase uma década de literatura. Isso me disse um amigo, à altura. A “destruição” se referia a Graciliano Ramos e sue romance Vidas secas. Naquele momento, não tinha a menor ideia da bobagem que acabava de dizer. O amigo que me disse o que disse, indicou-me três outros livros do autor: Caetés, Angústia e Memórias do cárcere; a serem lidos nesta mesmíssima ordem, se não me falha a memória. Foi o que fiz. E não me arrependi nem um pouco. Agora, aposentado, retomo a leitura de livros que já li e reli, sobre os quais dei aulas e escrevi artigos. Um prazer inolvidável. Assim foi que retomei Infância, que acabei de reler. Que passeio. Numa direção contrária à de Memórias póstumas de Brás Cubas, o livro de Graciliano Ramos faz uma espécie de inventário da infância do autor. Assim dizem e consideram os comentaristas e críticos da obra. Fico como a Maria vai com as outras. A leitura agora é de puro deleite, sem as obrigações de me prender a protocolos e objetivos “concreto” a serem ministrados e depois avaliados pelo corpo discente que tanto, de mim, já ouviu. Uma amiga, comentando sobre leituras e leituras, dize que se trata de um livro cruel. Pode ser. Ainda não tinha pensado este exto de Graciliano sob esta perspectiva. A julgar pelo requinte dos detalhes da voz narrativa e pela agudeza de visão de mundo, sob a lente de uma criança que chega à adolescência (o último capítulo, se não me equivoco, sugere esta passagem, de maneira magistral, obviamente!), a assertiva faz sentido e, até prova em contrário, procede, se sustenta. Fato é que as pessoas e situações encetadas pelo relato. Curioso é perceber que este, dos livros que reli de Graciliano até agora, é o único em que a “urgência” de escrever não aparece. Por outro lado, aparece a leitura de nomes consagrados da Literatura universal, numa espécie de apanágio para o processo de amadurecimento da voz narrativa que se toma como aprendiz constante. Neste sentido, a descoberta de desejos outros, que não o de aprender, abrilhantam o já referido último capítulo de maneira contundente. A linguagem beira a ironia e o escárnio – coisa em nada rara na obra de Graciliano Ramos – fazendo com que a crueldade apontada por minha amiga ganhe consistência relevância, até. A edição que reli é a da Martins Editora. esta edição constitui-se de volumes encadernados em capa dura, com estudos introdutórios assinados por notáveis da crítica literária nacional. Gente que desapareceu do “mercado”, graças à tecnologização dos processos de leitura e, por outro lado, da ideologização das “metodologias” e das “pedagogias” que, em sua “didática” perversas, acabaram por tornar a atividades destes que assinam tais estudos uma coisa “ultrapassada”, atada, para usar o jargão dessa parcela da população. Uma pena. Perdem aqueles que não sabem reconhecer o devido valor das coisas e o lugar que elas ocupam numa linha evolutiva da própria existência humana. OS capítulos de Infância me fazem lembrar de Vidas secas. Neste, cada “retrato” vai se juntando a outro, por uma espécie de fio condutor invisível, tênue, quase etéreo. As personagens vão se sucedendo em situações que acabam por construir um “enredo” que não se quer absoluto e determinante no fluxo de considerações do narrador e de suas personagens. Aqui, em Infância, estas personagens se perdem nas memórias de uma criança que vai avançando no tempo e na experiência de viver. Esta perda, em ada e por nada é pejorativa. Ao contrário, ela faz com que a voz narrativa se percebe um ser em construções e sabe reconhecer valores e lições em sua devida dimensão. Neste sentido, o capítulo em que tece seus comentários (anotados de memória, quero crer) sobre sua experiência com a justiça – eu diria que com a autoridade também – num episódio envolvendo seu pai é de um lirismo (cruel, nas palavras da amiga) cortante. Para usar termo corrente nas rodinhas da moda de hoje: cirúrgico. Ai que preguiça. O vigor de sua indiferença sobre a experiência com o religioso – o episódio que narra a descoberta da vocação religiosa e suas consequências chega a ser hilário – é de uma ironia quase incômoda, não fosse a pena do autor a torná-la legível. Outras passagens da infância num aterra ingrata soam no mesmo diapasão. As descrições – de pessoas, situações, coisas, acontecimentos, espaços e ideias – não foge ao figurino do autor. Um misto de descrença e sarcasmo com a constatação, implícita da inutilidade de tentar fazer o outro compreender o que para quem escreve parecer tão claro. O dilema que, a meu ver, ronda a escrita de Graciliano Ramos não deixa demarcar sua presença aqui. Pode ser que o texto recebe o epíteto de bildungsroman: romance de formação, expressão que identifica o tipo de romance em que o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, intelectual, social ou político de uma personagem é relatado (às vezes ficcionalizadamente) de forma pormenorizada. Geralmente, o “enredo” (as aspas se devem à fluidez do conceito no que diz respeito a Infância) se estende desde a infância da personagem até sua vida adulta. No caso específico deste romance de Graciliano Ramos, vai apenas até o início da adolescência, salvo engano de minha parte. De um jeito ou de outro, é livro de leitura imprescindível para quem diz gostar de Literatura. Fica o convite.

Junho 15, 2022

Foureaux

Ando pensando em coisas que, aparentemente já não têm importância. Coisas que aprendi. Coisas que me mostraram. Coisas que faziam parte da vida de qualquer menino ou menina (Sim, só esses dois, menino e menina! O resto é invenção de gente descerebrada que não tem o que fazer a não ser encher o saco dos outros com suas boçalidades!). Pois é... Coisas. Nessa onda de memórias afetivas e afinidades eletivas, recebi por e-mail o texto que segue. Desconheço a autoria, como também disse o emissor da mensagem que recebi. Compartilho por causa das... coisas!
“Naquela época, tirava notas azuis e morria de medo de notas vermelhas no meu boletim: tinha que ser acima de 7. Naquela época, não tínhamos bolsa família, tínhamos uniformes. O material escolar era comprado pelos nossos pais, com muito suor! Calçado era Vulcabrás, Conga, Ki Chute, Bamba... alpargatas. Não tínhamos celular... As pesquisas de escola eram feitas em bibliotecas públicas e nas enciclopédias… O trabalho era escrito à mão e em folha de papel almaço. A capa era feita com papel sulfite. Tinha dever de casa pra fazer. A Educação Física era de verdade… Tínhamos carteirinha pra dizer presente, ausente e atrasado. Ainda cantávamos o Hino Nacional no pátio, antes de ir para a sala de aula. Teve uma época em que tínhamos aulas de Religião, Educação para o lar, Educação Moral e Cívica! Os dentistas iam à escola para aplicar flúor e ensinar os cuidados com a higiene bucal. As professoras olhavam nossas cabeças e mandavam recados para as mães de quem tinha piolhos. Na escola tinha o Gordo, a Magrela, a Branca Azeda, o Quatro Olhos, a Baixinha, a Olívia Palito, o Palitão, o Cabelo Bombril, o Negão, o Periquito, o Narigudo, a Girafa e por aí vai... Todo mundo era zoado; às vezes, até brigávamos, mas logo estava tudo resolvido e seguia a amizade... Era brincadeira e ninguém se queixava de bullying. Existia o valentão, mas também existia quem nos defendesse. Trauma? Nunca ouvimos essa palavra. O lanche era levado na lancheira ou dentro de um saco de pão. Época em que ser gordinho(a) era sinal de saúde e, se fôssemos magros, tínhamos que tomar o Biotônico Fontoura. A frase “peraí mãe” era para ficar mais tempo na rua e não no computador ou no celular... Colecionávamos figurinhas, bolinha de gude, papéis de carta, selos! As brincadeiras eram saudáveis. Brincávamos de bater em figurinhas, e não nos colegas e professores. Adorava quando a professora usava mimeógrafo e aquele cheiro do álcool tomava conta da sala. Na rua era jogar bola, queimada, pular corda, subir em árvores, pular elástico, pique-esconde, polícia e ladrão, andar de bicicleta ou carrinho de rolimã; soltar “papagaio” (ou arraia ou pipa) e ficar na rua até tarde. Muitas vezes, com a mãe tomando conta, sentada no portão, ou com as vizinhas (grandes amigas), conversando alegres… Comia na casa dos colegas e ao chegar em casa, tomava bronca por isso (“Não tem comida em casa?”). Não importava se meu amigo era negro, branco, pardo, rico, pobre, menino, menina: todo mundo brincava junto. E como era bom! Bom não... era maravilhoso! Assistia ao Pica-Pau, Tom e Jerry, Pantera Cor de Rosa, Papa Léguas, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Corrida Maluca, He-man, o Gordo e o Magro e vários outros... Que saudades desse tempo em que a chuva tinha cheiro de terra molhada! Época em que nossa única dor era quando passava Merthiolate nos machucados… Felizes, em comparação com esse mundo de hoje, onde tudo se torna bullying. Nossos pais eram presentes, mesmo trabalhando fora o dia todo. Educação era em casa, até porque, ai da gente se a mãe tivesse que ir à escola por aprontarmos. 
Nada de chegar em casa com algo que não era nosso, desrespeitar alguém mais velho ou se meter em alguma conversa. Xiiii... Era um tapa logo, ou só aquele olhar de “quando chegar em casa conversamos”… Tínhamos que levantar para os mais velhos sentarem, pedíamos a benção. Fico me perguntando: quando foi que tudo mudou e os valores se perderam e se inverteram dessa forma? Se você também é dessa época, copie e cole no seu mural, mude o que for necessário. Copiei e colei, não tive muito o que mudar pois foi exatamente assim que vivi minha infância. Claro que tive um sorriso no rosto, enquanto lia esse texto e relembrei de vários bons momentos... Quanta saudade, quantos valores, que para esta geração não valem nada! Grato por tudo que vivi e aprendi. Fui muito FELIZ e sobrevivi!!! Um tributo a todos que vivenciaram tudo isso nos anos 40/50/60/70/80 do século passado!

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