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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Agosto 09, 2023

Foureaux

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No dia 7 de julho passado, por volta das 16 horas, fiz minha comunicação, encerrando a etapa acadêmica do XIV Encontro Nacional de Ex Libristas, promovido pela Academia Portuguesa de Ex Libris. Tentei fazer uma blague envolvendo a sardinha – um dos ícones culturais de Portugal – associando-a ao bispo devorado pelos caetés, presumivelmente, no século dezesseis aqui no Brasil. Como consequência, faço uma ilação entre o evento de canibalismo e a antropofagia de Oswald de Andrade. Tudo num clima de blague, como é de meu feitio. Devo confessar que fui ludibriado pelo google que me apresentou como de Garcia de Resende uma foto que, de fato, era de Shakespeare.  No entanto, nada disso atrapalhou o clima da comunicação que, ainda uma vez, me deu muito prazer. Segue o texto dela;

Boa tarde. 

Quem me conhece sabe de minha tendência a fazer blague de coisa séria. Aqui não vai ser diferente. Começo saudando a cidade que nos recebe e que tive o prazer de conhecer em 2015, quando de meu pós-doutoramento. Uma visita inolvidável. O nome da cidade é, como vocês bem sabem, proveniente do celta antigo ebora/ebura, caso genitivo plural do vocábulo eburos relacionando-se com a palavra irlandesa “ibhar”, nome de uma espécie de árvore (o teixo), pelo que o seu nome significa “dos teixos”. Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), o teixo é uma árvore totêmica que servia para envenenar setas. Assim é que, de volta, faço alusão à importância da cidade como local que viu nascer Garcia de Resende, em 1470, e Dom Pero Fernandes Sardinha, em 1496. Do primeiro vale lembrar a numerosa produção poética, notadamente o Cancioneiro. Dele, cito rapidamente duas estrofes de suas trovas, notadamente as que tratam de outro mito português, Inês de Castro: 

 

Lembre-vos o grand’amor 

que me vosso filho tem, 

e que sentirá gram dor 

morrer-lhe tal servidor, 

por lhe querer grande bem. 

Que s’algum erro fizera, 

fora bem que padecera 

e qu’este filhos ficaram 

órfãos tristes e buscaram 

quem deles paixão houvera; 

 

Mas, pois eu nunca errei 

e sempre mereci mais, 

deveis, poderoso rei, 

nam quebrantar vossa lei, 

que, se moiro, quebrantais. 

Usai mais de piadade 

que de rigor nem vontade, 

havei dó, senhor, de mim 

nam me deis tam triste fim, 

pois que nunca fiz maldade. 

 

Sobre Dom Pero Fernandes Sardinha, como se sabe, foi o primeiro bispo do Brasil, tendo chegado a Salvador em 1551, vindo de Portugal. Sua trajetória ficou marcada na história do Brasil por ter sido, segundo relatos controversos, devorado por índios caetés, em um ritual de canibalismo, no litoral do nordeste brasileiro, em 1556. O canibalismo era a prática realizada por algumas tribos indígenas na então terra de Santa Cruz. Este é o epicentro de minha alocução com sabor de blague. O nome remete a uma imagem que poder-se-ia chamar de mítica. Um peixe, a sardinha. Diferentemente de seu homônimo, o bispo passou à história como um religioso beligerante, que se deu mal na missão espiritual que lhe caberia desenvolver na América Portuguesa. Dele têm sido feitas muitas análises rigorosas, especialmente voltadas para as discórdias que o separaram do segundo governador, D. Duarte da Costa, e demais pessoas que viviam na Colônia. Tudo indica que o bispo era um homem de temperamento irascível, pouco dado às amizades e vivia em constante discórdia com os religiosos. Fez muitos inimigos no Brasil. Deve ter causado indigestão nos índios caetés. Sobre Évora e o bispo encerro com o único ex-libris que minha incapacidade encontrou, o de D. Diogo de Bragança (Marquês de Marialva) e de Alexandre Corrêa de Lemos, fixado no volume intitulado História das antiguidades de Évora, de 1739, em que se relata o que aconteceu nesta cidade até ser tomada aos Mouros por Giraldo, no tempo Del-Rey Dom Affonso Henriquez e o mais que daí por diante aconteceu até o tempo presente. O peixe, alimento mais que apreciado, tem seu nome associado à História por conta de um bispo que foi comido como ela, diz a lenda... Atravessando o Atlântico, tento dar conta de estabelecer o fio condutor de minha proposta blague, trazendo à baila um poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, fazendo também uma blague – mais séria do que a minha, por óbvio – retoma o mito do canibalismo quando, num manifesto de nome “Antropófago”, faz proposições visando a brasilização modernista do/no Brasil, bem no início do século 20. Diz ele no início de seu manifesto: “Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” E ao final, arremata: 

 

“Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado23 de Pindorama.”

Manifesto antropófago 

Oswald de Andrade 

Em Piratininga24 

Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha 

 

O manifesto foi publicado na Revista de Antropofagia, Ano I, No. I, em maio de 1928. Oswald busca uma marcação temporal para a existência brasileira que, no Manifesto, começa com o primeiro ato antropófago conhecido oficialmente; o Bispo Sardinha, isto é, Pero Fernandes, que naufragou no litoral do nordeste brasileiro e morreu como vítima sacrificial dos índios caetés. Oswald equivocou-se nas datas, acrescentando 2 anos ao tempo decorrido entre a morte do Bispo Sardinha e o ano de publicação do Manifesto Antropófago. Entretanto, o poeta parece desconhecer as cartas de Américo Vespúcio, em uma das quais o aventureiro florentino afirma ter assistido um ritual antropofágico em 1501, na Praia dos Marcos, no Rio Grande do Norte, em que a vítima era um europeu. Está concluída a blague. Começando a viagem ainda no século 15, chegamos ao 21, sem muitos ex-libris sobre o tema, pelo que peço desculpas. Ainda assim, a ideia da antropofagia, cara ao poeta brasileiro, respaldada pela História do bispo e animada por uma espécie de fetiche gastronômico lusitano, parece-me, consolida-se com sentido. Fica, assim, a intenção satisfeita de um diletante que insiste em ler os papelinhos como textos autônomos, possuidores de sentido histórico, estético, iconográfico e discursivo. 

Muito obrigado!

Novembro 03, 2022

Foureaux

II SEMINÁRIO IBÉRICO DE EX-LÍBRIS 

da Academia Portuguesa de Ex-Líbris 

70 anos ao serviço da 

arte, da ciência e do património 

Lisboa, 11 e 12 de novembro de 2022 

Sociedade de Geografia de Lisboa 

Academia Portuguesa de Ex-Líbris 

II SEMINÁRIO IBÉRICO DE EX-LÍBRIS 

da Academia Portuguesa de Ex-Líbris 

70 anos ao serviço da arte, da ciência e do património 

Lisboa, 11 e 12 de novembro de 2022 

Sociedade de Geografia de Lisboa | Academia Portuguesa de Ex-Líbris 

*** 

A 12 de novembro de 2022, a Academia Portuguesa de Ex-Líbris cumpre 70 anos de atividade contínua ao serviço da valorização da arte ex-librística. 

Sete décadas de produção, arrolamento, estudo, colecionismo, divulgação e preservação de um património que cruza, em permanência, a história do livro, da ciência, da arte, do património, da cultura e das mentalidades, desvendando diferenciados contextos de produção e utilização, independentemente da sua natureza, tipologia, geografia e cronologia. Sete décadas que refletem, ao mesmo tempo que contêm, páginas incontornáveis da história do nosso país, em especial no tocante a atores, espaços e projetos consagrados à cultura. Sete décadas que têm permitido, ao mesmo tempo que instado, vislumbrar especificidades biográficas, identitárias e estéticas, relacionando, em permanência, arte, livro e identidade. 

Decorridos seis anos sobre o bem-sucedido e inédito I Seminário Ibérico de Ex-Líbris (Lisboa e VFX, 20-22 de maio de 2016), é chegado o momento de celebrar estes 70 anos, realizando o II Seminário Ibérico de Ex-Líbris. Durante dois dias, teremos a oportunidade de assistir a intervenções de ex-libristas, especialistas em história do livro, bibliotecas e marcas de posse, acolhidos por investigadores e público em geral, unidos no interesse pela produção e fruição ex-librística, revivendo o espírito que presidiu à instituição da Academia no já longínquo ano de 1952 graças ao empenho denodado de nomes maiores da cultura em Portugal. 

*** 

PROGRAMA 

11 de novembro (sexta-feira) 

Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) 

Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP) 

SGL 

Auditório Adriano Moreira 

09.30 – Receção dos participantes 

09.50 - Abertura dos trabalhos 

10.00 - 1.ª Conferência 

Marcas de posse: testemunho da vida dos livros 

Doutora Fernanda Maria Guedes de Campos (Centro de Humanidades – CHAM NOVA FCSH) 

10.40 – 1-º Painel de comunicações 

A proveniência importa, e muito: o caso da Biblioteca Erudita de Campolide 

Francisco Malta Romeiras (CIHUCT) 

11.00 - O ex-líbris no seu percurso até à atualidade 

José Sesifredo Estevéns Colaço (DHCM-EP | SGL | AIH | APEL) 

11.20 - Nuevos ex libris de los de Morales Cansino 

Manuel Morales (APEL) 

12.00 – Retrato 5x7: ex libris no Brasil 

José Luiz Foureaux de Souza Júnior (UFOP | APEL) 

12.20 – Almoço-tertúlia no restaurante da SGL (inscrição obrigatória1), com a apresentação da Antologia I. Contos e Crônicas, pelo Delegado da Academia no Brasil, Prof. Catedrático José Luiz Foureaux de Sousa Júnior. 

1 Inscrição até 9 de novembro para academiaportuguesadeexlibris@gmail.com. Custo: 15€ por pessoa a pagar no dia e no local. 

14.00 – 2.ª Conferência 

A coleção de ex-libris de João Jardim de Vilhena 

Maria da Graça Pericão (BGUC) 

14.40 – 2-º Painel de comunicações 

A arqueologia no ex-líbris e o ex-líbris na arqueologia: o caso de Bairrão Oleiro 

Ana Cristina Martins (IHC-Polo da UÉvora | IN2PAST | UNIARQ-UL | SGL | APEL) 

15.00 – A devoção mariana no ex-libris 

Pe. Tiago Ribeiro Pinto (RCFIIDB | APEL) 

15.50 – O ex-libris e os Açores 

Jácome de Bruges Bettencourt (APEL) 

16.10 – Inauguração da exposição da obra ex-librística de José Sesifredo Estevéns Colaço, nos 50 anos da sua atividade artística, com distribuição do respetivo catálogo pelos presentes, seguida de ‘Porto de Honra’ 

17.30 – SHIP - Sala de exposições temporárias 

Inauguração da exposição da obra ex-librística de David Fernandes Silva, dos últimos 10 anos, com distribuição do respetivo catálogo pelos presentes. 

Jantar livre. 

*** 

12 de novembro (sábado) 

Academia Portuguesa de Ex-Líbris 

09.30 – Receção dos participantes 

10.00 – Reabertura dos trabalhos 

10.10 – 3.ª Conferência 

Ex-Líbris no Arquivo Histórico Municipal do Porto 

Maria do Rosário Bordalo Guimarães (CMP) 

10.50 – 3.º Painel de comunicações 

Ex-líbris e ex-libristas - notas para a história do ex-librismo em Portugal 

Segismundo Ramires Pinto (CH-AAP | IPH | SGL | APEL) 

11.10 - Pequenas achegas para o estudo da difusão do ex-libris em Portugal 

Madalena Ferreira Jordão (APG | SGL | APEL) 

11.30 – A sede de conhecimento em Paulo de Cantos 

Alexandra Pereira de Castro (APEL) 

11.50 – Inauguração da exposição da obra ex-librística de José Maria da Cunha, , com distribuição do respetivo catálogo pelos presentes. 

12.30 – Almoço livre. 

14.00 – 4-ª Conferência 

Autoria feminina nos Brasões da Sala de Sintra: D. Maria Francisca de Meneses e D. Maria Amália de Sousa Botelho, desenhistas 

Pedro Urbano (IHC FCSH NOVA | IN2PAST | CEC-FLUL) 

14.40 – 4.º Painel de comunicações 

A verdade sobre a origem e o caráter do suposto ex libris do Marquês de Castel Rodrigo (1619) 

Alfonso de Ceballos-Escalera y Gila, Marqués de la Floresta (Cronista de Castilla y León | APEL) 

15.00 – Não separe o Homem o que o Livro uniu: ex-líbris de casais no contexto português - algumas notas 

David Fernandes da Silva (JF-CMVFX | IPH | APEL) 

15.20 - No Rescaldo do Centenário do Nascimento de Amália Rodrigues - Suas Ligações à Família Abranches 

Nuno M. Barata-Figueira (APG | IPH | SGL | CCS | APEL) 

15.40 - O caos na arte contemporânea… e o ex-líbris? 

Vítor Escudero (ANBA | RABASIHS) 

16.00 – Debate final e encerramento dos trabalhos. 

17.00 – Missa por intenção dos Académicos falecidos – Basília dos Mártires, ao Chiado. 

19.30 – Jantar do 70.º Aniversário da Academia Portuguesa de Ex-Líbris – Salão Nobre do Sacramento (inscrição obrigatória

 

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