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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Novembro 05, 2024

Foureaux

OIP.jfif

Quando dei aulas sobre Literatura Brasileira, sobretudo nos últimos semestres (nos cinco anos finais de minha “carreira” – por questões meramente burocrático-administrativas – lecionei apenas Literatura Portuguesa e Literatura Comparada), assim como, quando lecionava outras matérias literárias, lia poemas (inclusive) em sala de aula. Isso era considerado perda de tempo e falta de didática por alguns doutos “pares” que faziam cara de chacota quando isso era mencionado. Sim, eu lia textos literários em sala de aula!!! Heresia! Anátema! Fosse nos domínios do tio Sam... shame on you!, era o que eu ouviria... Bom... Sempre procurei desmerecer as “bocas de matildes” e continuei lendo poemas, contos, trechos de romances, etc. em minha aulas. Numa delas, apresentei esse poema – lido primeiro, escutado depois – para afirmar, de cara, que seus dois primeiros versos são a mais acachapante declaração de amor de que tenho notícia. Adoro o termo “acachapante”: diz tudo, é sonoramente forte, expressivo, vigoroso. Fiquei com o poema. procurem pela gravação de Adriana Calcanhoto (desconheço se há outra... Caso haja, não vai superar a da cantora gaúcha). Uživati! É bom proveito em croata...

Inverno

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Há algo que jamais se esclareceu:
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
Que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu
Reuniu-se a terra um instante por nós dois
Pouco antes do Ocidente se assombrar

(CÍCERO, Antônio. “Inverno”, inGuardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.

 

Janeiro 28, 2024

Foureaux

Um verso, dois poemas e um bilhete. Há diversas formas de declarar amor para alguém. Aqui vão quatro. A última, um conjunto de linhas escritas por minha mãe. Encontrei outro dia, mexendo em papéis velhos de meus arquivos. Fiquei impactado. Mais não digo!

No dia em que fui mais feliz, eu vi um avião Se espelhar no seu olhar até sumir. (Antônio Cícero, na voz de Adriana Calcanhoto)

Porque foste na vida a última esperança, encontrar-te me fez criança.
Porque já eras meu sem eu saber sequer por que és o meu homem e eu tua mulher.

Porque tu me chegaste sem me dizer que vinhas, e tuas mãos foram minhas com calma.
Porque foste em minh’alma como um amanhecer.

Porque foste o que tinha de ser. (Antônio Carlos Jobim, na voz de Elis Regina)

Ah, se já perdemos a noção da hora, se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir.
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios, me diz pra onde é que ainda posso ir.
Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir.
Se entornaste a nossa sorte pelo chão, se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu.
Como, se na desordem do armário embutido, meu paletó enlaça o teu vestido e o meu sapato ainda pisa no teu.
Como, se nos amamos feito dois pagãos, teus seios ainda estão nas minhas mãos, me explica com que cara eu vou sair.
Não, acho que estás te fazendo de tonta, te dei meus olhos pra tomares conta, agora conta como hei de partir.

(Chico Buarque de Holanda, na voz de Ana Carolina)

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