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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

01.04.25

Comparações...

Foureaux

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No quarto e último capítulo do conto “Civilização”, o narrador criado por Eça de Queiroz diz o seguinte:

“O pobre Jacinto, esbarrondado pelo desastre, sem resistência contra aquele brusco desaparecimento de toda a civilização, caíra pesadamente sobre o poial de uma janela, e dali olhava os montes. E eu, a quem aqueles ares serranos e o cantar da pegureira sabiam bem, terminei por descer à cozinha, conduzido pelo cocheiro, através de escadas e becos, onde a escuridão vinha menos do crepúsculo do que de densas teias de aranha. (...)

Voltando acima, com estas consolantes notícias de ceia e cama, encontrei ainda o meu Jacinto no poial da janela, embebendo-se todo da doce paz crepuscular, que lenta e caladamente se estabelecia sobre vale e monte. No alto já tremeluzia uma estrela, a Vésper diamantina, que é tudo o que neste céu cristão resta do esplendor corporal de Vénus! Jacinto nunca considerara bem aquela estrela — nem assistira a este majestoso e doce adormecer das coisas. Esse enegrecimento de montes e arvoredos, casais claros fundindo-se na sombra, um toque dormente de sino que vinha pelas quebradas, o cochichar das águas entre as relvas baixas — eram para ele como iniciações. Eu estava em frente, no outro poial. E senti-o suspirar como um homem que enfim descansa. Assim nos encontrou nesta contemplação o Zé Brás com o doce aviso de que estava na mesa a ceiazinha. (...).”

Trata-se do início do processo de “mudança” pelo qual vai passar a personagem Jacinto. Fato é que em livro posterior, A cidade e as serras, o mesmo Eça vai retomar esta história sem conseguir findá-la. O que me interessa aqui, entretanto, é a “mudança” que se anuncia no trecho destacado. Lembrei-me dela ao ler outro texto escrito pela juíza substituta da 6ª Vara Criminal de Londrina-PR, Isabele Papafanurakis Ferreira Noronha (Até onde eu sei, ela não defendeu tese de doutoramento, logo, não é “Dra.”!), escreveu um texto que merece ser compartilhado:

“Que sua rejeição por ele não seja maior que sua rejeição pela corrupção. Que sua rejeição por ele não seja maior que sua rejeição de ver o país governado de dentro da prisão pelos comandos de um candidato condenado em duplo grau de jurisdição, assim como ocorre com os líderes das facções criminosas já tão conhecidas. Que a sua rejeição por ele não seja maior que os ensinamentos que você recebeu de seus pais sobre não subtrair aquilo que é dos outros. Que sua rejeição por ele não seja maior que os princípios de educação, moral e cívica que você aprendeu quando criança nos bancos das escolas, na época em que escola ensinava o que, realmente, era papel da escola. Que sua rejeição por ele não seja maior do que sua indignação com a inversão de valores existentes em nossa sociedade atual. Que sua rejeição por ele não seja maior do que seu medo de viver o que já está vivendo a população dos países “amigos deles”, tais como, Venezuela, Bolívia e Cuba. Que sua rejeição por ele não seja maior que sua indignação com cada escândalo de corrupção e desonestidade revelados na lava a jato. Que sua rejeição por ele não seja maior do que seu pânico de viver numa sociedade tão insegura, onde pais de família são mortos diariamente e audiências de custódias são criadas para soltar aqueles que deveriam pagar por seus crimes. Que sua rejeição por ele não o leve ao grave erro de demonizar a polícia e santificar bandido. Que sua rejeição por ele não seja maior que sua defesa pelo fortalecimento da família, como estrutura básica da sociedade. Que sua rejeição por ele não seja maior do que sua repulsa pelo mal que as drogas têm causado em nossas famílias. Que sua rejeição por ele não seja maior que sua esperança de ter um país melhor para viver. Que sua rejeição por ele não tire sua capacidade crítica de apurar tudo que é tendencioso na mídia. Enfim, que sua rejeição por ele não o deixe cego a ponto de não enxergar que, neste momento, o Brasil está numa UTI e seu voto deve ser ÚTIL para salvá-lo. Não brinque com isso, não se iluda com a maquiagem dos discursos bonitos.”

Alguma sinapse provocou meu desejo de partilhar estes dois textos. Outra consequência, talvez, da mesma sinapse foi a vontade de deixar, para quem quer que leia estes textos, o espaço livro para as próprias associações. Opto tibi bonam lectionem!

27.03.25

Triste cotidiano

Foureaux

A mulher tenta fazer crescer sua renda dando aulas de reforço em sua própria residência. Ela já trabalha em duas escolas e faz isso por conta da condição salarial que dispensa comentários... Acabou de receber mais um estudante. No correr da semana, o garoto não fez a lição proposta pela professora na escola em que estuda. A professora de reforço diz que ele tem que fazer a lição. O menino se nega. Ela insiste. O menino dá um tapa na cara da professora. Ela o coloca de castigo e telefona para os pais do garoto. A mãe vai à casa da professora e tira de lá seu filho, sem conversar com a professora. Na semana seguinte, o menino volta para o reforço. A professora pergunta o que a mãe disse a ele sobre o que acontecera. Ele disse que a mãe não disse nada. A professora liga de novo para os pais e recebe a visita deles acompanhados por uma tia do guri. A professora é agredida e o menino, segundo sua mãe, “resgatado”. Com alguma possível discrepância (estou reproduzindo a história sem consulta a fontes, nem rascunho, apenas de memória) foi isso o que aconteceu. E eu me pergunto: o que dizer disso? Partilhei no facebook um vídeo com essa notícia (tentei encontrá-lo para colocar aqui, mas já não existe... vai-se saber o porquê). Desafiei as pessoas da lista na qual partilhei o vídeo com a seguinte provocação: “quero ver quem vai dar razão aos pais”. Nenhuma, absolutamente nenhuma reação ou resposta. Isso me fez pensar que alguma coisa está errada. Não vou levar esta discussão adiante aqui. No entanto, isso também me fez pensar no fato de que estou ficando velho e menos permeável a certas idiossincrasias (para ser elegante e educado). Estou ficando velho e mais chato. Coincidência (elas existem mesmo?) ou não, deparei-me com um texto atribuído à atriz norte-americana Meryl Streep (também não fui atrás das famigeradas fontes. Pode ser que não haja possibilidade de aproximação entre os dois relatos que fiz. Pode ser. Tudo pode ser. Foro íntimo, penso que estão, de alguma maneira, em alguma medida, intrinsecamente relacionados. O livre arbítrio ainda existe e, ao que parece, não está taxado nem pode ser usado como peça de incriminação... Reproduzo o dito cujo e fico por aqui:

“Envelhecer não é para os fracos. Um dia você acorda e percebe que a juventude ficou para trás, mas com ela também se vão as inseguranças, a pressa, a necessidade de agradar. Você aprende a andar mais devagar, mas com mais certeza. Despedir-te sem medo, dar valor a quem fica. Envelhecer é soltar, é aceitar, é descobrir que a beleza nunca esteve na pele, mas na história que carregamos dentro de nós.”

15.01.25

De um filme...

Foureaux

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Para além da Literatura, filmes são outro assunto que me encanta e fascina. Não sou exatamente um cinéfilo, mas gostava de ir a “cinemas”. Hoje, isso não existe mais. Há salas de projeção em centros de compra, o que é bem, mas bem diferente mesmo. Já perdi a vontade e, atualmente, vivendo no litoral, numa cidade em que ainda sequer se sonha em ter um centro de compras, que dirá um cinema... é impossível. No entanto, graças à tecnologia avançada e sempre em desenvolvimento, é possível ver filmes na televisão, no computador e até no celular para quem tem pachorra suficiente para tanto... O texto de hoje é a literal reprodução de outro de autoria alheia: Rafael Lima ((8) Facebook) – o link, apesar de estranho funciona, pelo menos, funcionou na minha tentativa! O rapaz é ex-aluno de um ex-aluno meu, o Gerson Roani, hoje professor titular de Literatura Portuguesa em Viçosa. amigo dileto. Rafael comenta o filme que está em todas as bocas de matildes: Ainda estou aqui. Não vi o filme. Não vou ver o filme. No entanto, creio ainda ter o direito de corporificar ideias que me vêm quando embarco na maré de comentários – entre eles, alguns estapafúrdios, como soe acontecer – que pululam por aí. Gosto da atriz principal, apenas como comediante. Vi, com ela e a mãe, uma peça em Santa Maria-RS, nos idos de 90 do século passado, uma peça dirigida por um tal de Geral Thomas – com quem a dona foi casada –, então enfant terrible da “cena dramatúrgica” de bruzundanga – The flash and crash days. É preciso dizer mais? Depois, vi um filme dirigido por Walter Salles – Terra estrangeira. A atriz, competente, como comediante, não me atraiu nem um pouco então. Hoje, à continuação, segue não me chamando a atenção. O texto do Rafael é brilhante. Direto, contundente, sincero. Agradou-me imenso. Republico-o com a autorização do autor sem mexer em, sequer, uma linha. Leiam-no:

“Se há um traço característico que resume a ideologia como pretenso recurso de conhecimento universal é o de que, fechada em si mesma, ela tem de, necessariamente, ignorar as contradições da realidade, reduzindo à rés do chão, num discurso fechado e linear, toda a complexidade das relações entre os entes.

Dessa forma, como esforço de abstração cujo fundamento teórico está deslocado da experiência real e imediata, ela vale tão somente como simulacro de interpretação da realidade, que engana e confunde.

A distância abissal entre a euforia da caviar gauche e a indiferença do grande público em relação à premiação de Fernanda Torres em “Ainda estou aqui” (2024) é só mais um episódio da tragicomédia que é a bolha de auto lisonja da esquerda nacional.

O hiato entre a fixação monolítica da esquerda com a ditadura e o que pensa o povo é o que distingue quem enxerga o mundo como ideia, e quem acredita no que veem os próprios olhos.

O esforço já quase secular da militância de superdimensionar os excessos do regime militar não condiz em quase nada com a percepção popular dos acima de 50 anos.

Abaixo disso, cabe dizer, a opinião interessa pouco. É assunto que exige menos “estudo” e mais, digamos, “entrevista”.

Os exageros e brutalidades foram todos registrados em tempo real. Não temos um “arquivo de Moscou” para chamar de nosso. Também não teremos os “julgamentos-espetáculo”.

Está tudo aí. Correu tudo à luz do dia. E o que escoou para os “porões” em 20 anos é menos do que o que acontece numa única favela do RJ enquanto essas mal traçadas são lidas.

As vergonhas militares foram estampadas em papel jornal, timbrado e sulfite. Constam nas hemerotecas, bibliotecas e nos autos. Nos altíssimos.

Por isso o desencanto. O sujeito respira fundo, e diz “é, teve uns excessos, umas grossas sacanagens, mas todos os indenizados já estão ricos.

Aliás, a República nasce de um golpe, né, o fenômeno Getúlio Vargas nasce de um assassinato e em sua ditadura, houve lá também umas queimas de arquivo.

Ano passado mataram uns 50mil, o filho do meu amigo do banco está numa cadeira de rodas por causa de um celular, e em 2007 roubaram meu carro. Mas ninguém liga, então vida que segue”.

Por outro lado, há ainda a maioria da população afastada dos grandes centros para quem os militares eram apenas figuras empombadas, ora proferindo disparates em coletivas, ora encarnando o exemplo de cidadão em atos cívicos.

Isso tudo pela tevê. Isso, para quem tinha tevê.

Causa espécie que a claque que tomou de assaltado a sala de comando da educação e da inteligência nacionais, muito ciosa de sua consciência social, seja incapaz de fazer um exercício de sociologia de ensino fundamental e notar que boa parte do país até meados dos anos 90 era uma espécie de cenário de Roque Santeiro ou de romance de Graciliano Ramos.

Era um microcosmo ordinário, provinciano, com aspirações modestas e cujas angústias não chegavam a ultrapassar os limites de sua própria cidade.

Veja-se como é comum que as gerações passadas saibam o nome dos colegas do primário, do padeiro, do borracheiro, do sapateiro, do médico, do barbeiro, da telefonista, da costureira de sua região.

Se um soldado passasse na rua, é provável que lhes pedisse um cigarro.

Cenário bem distinto da zona urbana, naquele tempo ainda mais tímida e limitada ao eixo RJ-SP, em que a Editora Civilização Brasileira, o Largo São Francisco, a Faculdade Nacional de Direito e tutti quanti ditavam o tom da conversação nas redações, nas cátedras e nos botecos, fazendo ferver os corações e mentes para a guerra cultural, ao passo que o grande público dançava ao som da jovem-guarda.

Não mudou muito. O interior, as cidadelas, os distritos e vilas continuam limitados, ora reverberando um iberismo inconsciente já sem origens, ora francamente matuto, cru e materialista. Mas sempre provinciano, apesar do celular, da Internet e da conurbação.

É como no poema de Drummond:

Eu não vi o mar.

Não sei se o mar é bonito,

não sei se ele é bravo.

O mar não me importa.

 

Eu vi a lagoa.

A lagoa, sim.

A lagoa é grande

E calma também.

 

Na chuva de cores

da tarde que explode

a lagoa brilha

a lagoa se pinta

de todas as cores.

Eu não vi o mar. Eu vi a lagoa.

Habituado aos limites da sua aldeia, a imensidão e a complexidade das cidades são para o homem do interior um mundo estranho, difícil de desvendar e até mesmo assustador.

Continuamos uma grande roça com ilhas de concreto e alguma sofisticação burguesa, onde a vaidade esquerdista do tapete vermelho bancado por banqueiro tem pouco ou nenhum valor.

É como se todos já tivessem assistido sem nem saber do que se trata.

Mas é significativo que, passados 40 anos do fim do regime militar, a bolha rica da cultura engajada tenha congelado no tempo, reacionária como não poderia deixar de ser, pois tratar do Brasil daí para diante, seria tratar do projeto de destruição que impuseram ao país.

Agora, o beautiful people, em sua alienação comunitária, renova o ânimo para mais 50 anos de pedantismo quixotesco, enquanto o povão cravejado de balas e polvilhado em cocaína, vai afundando ao som de “Nóis Vai Descer”.”

11.08.24

Encerramento

Foureaux

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Os jogos olímpicos de Paris terminaram agorinha. Começam agora os jogos paraolímpicos. Ou paralímpicos como foi inventando por alguém, em algum lugar e momento, por algum momento que, de verdade, não me interessa saber. Interessa que os jogos existam e continuem a acontecer. Com a enxurrada de equívoco que marcaram os olímpicos, imagino o que há de ser os paraolímpicos. Para além disso, o que foi a aparição de Tom Cruise? Para quê? Como assim? Estou ficando velho, gagá ou mais chato do que sempre fui. Não entendi. Não vi propósito. Los Angeles vai sediar os jogos pela terceira vez, da mesma forma que o fez Paris. O encerramento dos jogos de/em Paris foi menos equivocado que a abertura, menos pretensiosa, mais correta e adequada ao espírito olímpico – em homenagem ao inventor dos jogos modernos, Barão de Coubertain. A julgar pela aparição do “astro”, os jogos em terras do tio sam, pela terceira podem tentar repetir a mesma agenda imposta em Paris. Isso vai ofuscar o que pode ser um espetáculo colossal, bonito, contundente como o de Atenas, em 2204, para ficar com um exemplo apenas. E o encerramento dos jogos de Mocou em 1980, com o ursinho Misha chorando na arquibancada e dando adeus enquanto era alçado aos céus por balões coloridos. Claro que havia uma agenda lá também, mas a contundência e a manutenção do “espírito olímpico” não foram substituídas por certa “agenda” que empobrece, nivela por baixo e vulgariza – no mais baixo e vazio sentido do termo – o já referido espírito. Confesso que já não me emociono com essas cerimônias, com exceções merecidas. Os momentos de vitória também já me foram mais tocantes. O encerramento tem se repetido em fórmula que tenta sustentar o mito da juventude eterna transformando a cerimônia numa pista de boate. Tudo muito chato, igual, sem graça. Ainda bem que assisti pelo canal olympics.com. Os comentaristas falavam Inglês, com sotaque britânico carregadíssimo, o que me fez escapar das batatadas que os locais devem (e com certeza o fizeram) cometeram em nome sabe Deus de quê, para além de sua própria mediocridade. E salve a chatice!

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02.08.24

Inconveniência

Foureaux


Acabo de ver um vídeo em que, SUPOSTAMENTE, um jovem de 21 anos, declara que não vai trabalhar porque nasceu sem o “seu” próprio consentimento. Completa dizendo que seus pais o obrigaram a nascer, então, agora, têm a obrigação de sustentá-lo. O advérbio, logo de cara, se sustenta – não estou a escrever uma tese, mas preciso desta sustentação.  Na verdade, não posso atestar a veracidade do vídeo, nem mesmo a real existência do rapaz que disse uma imbecilidade desse... “quilate”. Sim, é uma imbecilidade... e “daquelas” (estas aspas não vou justificar.). Voltando ao advérbio, por conta dos avanços tecnológicos que podem simular voz e imagem e colocar a “criação” em qualquer local do planeta – quem sabe, até, fora dele... – Não existe a menor possibilidade de atestar, sem sombra de dúvida, a autenticidade do vídeo que vi. No enanto, a possibilidade de ele ser realmente verdadeiro existe. O fato de haver tal discurso, defendido pelo rapaz de vinte e um anos, existe. A imbecilidade existe. Assim não fosse, não teria lido por aí (https://www.nexojornal.com.br/extra/2024/07/20/nome-cientifico-racista-mudanca-botanica) que “cientistas” resolveram trocar certos termos de identificação de espécies por serem “racistas”. Será que só eu percebo o absurdo de tal decisão? Ou perdi completamente o juízo, o senso? Para completar o “quadro da dor”, um homem entrou numa disputa olímpica contra uma mulher que pediu para terminar o combate por absoluta discordância com o que estava acontecendo: ela foi golpeada por um HOMEM. E nada acontece. A reação foi de uma normalidade insana, como se homem bater em mulher fosse a coisa mais natural do mundo. Bem... em priscar eras, dizem, foi, mas hoje em dia? Com a “civilização”? Coisas assim só fazem com que eu acredite que, com o passar dos anos, vou ficando mais chato porque atenho-me, sempre e mais, ao que é culturalmente consagrado, o que é verdade e o que faz parte de minha formação como indivíduo. Estou errado?

23.04.24

Desabafo

Foureaux


Duvido de que Machado de Assis tenha consultado alguém sobre a “viabilidade mercadológica” de nomes como Capitu ou Eugênia quando escrevia os textos em que estas personagens aparecem. Também tenho absoluta certeza de que nenhum crítico ou professor de oficina de escrita criativa tenha avisado a Guimarães Rosa que Riobaldo era um nome que “ia bombar”! No tempo em que eles escreveram suas obras, essas chatices não existiam. Acredito que não havia gente que se aproveitava da mesma condição que favelados para publicar qualquer coisa em nome da tal de “literatura de testemunho”. Nem tão pouco, alguém, um pouco mais amorenado, escrevendo sobre mazelas suas e alheias, mas sem nenhuma fímbria de “trabalho literário” publicava suas linhas assim, com loas, pompa e circunstância. Confesso que invejo Paulo Coelho: sua equipe de marketing é supimpa. E ele tem muito senso de comércio também. Assim não fosse, não teria se tornado o sucesso retumbante em que se tornou, sobretudo no exterior. Por ser alguém que escreve sobre algo que escapa à razão, fez muito sucesso na França e, então, entra em ação a tal equipe. Pimba. Na mosca! Sem chance para mais ninguém. Reza a lenda que ele foi um dos poucos, senão o único estrangeiro a publicar simultaneamente em capa dura e livre de poche. Reza a lenda... Só por isso o invejo, o que não procede quanto ao “conteúdo” do que ele escreve. Ando desgostoso com muita coisa. Uma delas é reconhecer que não tenho chance no tout pétit monde da Literatura em Pindorama: não fiz oficina de escrita criativa, não “ganhei” nenhum prêmio, não tenho amigos influentes no “mercado” editorial. Sou um nada. Logo... oblivium... Tem nada não. Não vou morrer de tédio por conta disso. Minha saúde não me permite perder tempo com essas firulas. Em sua potência, ela me mantém em pé e feliz, apesar de tudo. De mais a mais, tudo passa, e a gente vira pó, com prêmio ou não...

22.01.24

Dúvida

Foureaux


Eu fico impressionado como é que, às vezes, uma editora dita “de respeito” se dá ao desplante de publicar certas coisas. Não sei, de fato, quais são os critérios, ainda que intua, por experiência e conhecimento de causa – é possível utilizar este argumento – quais sejam. Muito do que está “na moda”, aquilo que é preciso dizer, pensar e escrever para não ser “cancelado”; em alguns casos, o fato de ter frequentado a oficina” de escrita criativa” do fulano ou do ciclano, não a do beltrano. E por aí vai. Repito, é impressionante. Já li muita porcaria chancelada por empresa editorial de peso”. Não há uma explicação plausível, não que me convença. Nos dias que correm, tenho me aperfeiçoado nas artimanha da personalidade de São Tomé: só acredito vendo. É este o caso do minúsculo trecho que trago à baila. Há quem diga que eu não poderia dizer o que vou dizer, porque isolei um trecho apenas. Isso afetaria a visão do conjunto e poderia desvirtuar o sentido da “obra”. Não concordo. Argumento que não se sustenta. Não estou escrevendo um tratado, tese ou ensaio sobre o assunto do livro de onde tirei o trecho. Não digo o título, nem o nome do autor, muito menos o nome da editora para não me comprometer. Hoje em dia, fazer isso é correr sério risco de ser acusado de assédio, difamação, calúnia, e quejandos... Não corro este risco. Não vale a pena. Vamos lá. O trecho é o seguinte: “(...) O passarinho vem voando, bate a cara aqui e morre, a abelha se reproduz e morre, a bananeira cresce, dá banana e morre... Nós somos os únicos chatos do planeta que querem prevalecer na face da terra a todo custo e, claro, não entrar na lista de extinção de jeito nenhum. Tem uma frase interessante que é atribuída ao Einstein: “A vida começou aqui na terra sem os humanos e pode terminar sem nós”. Esse pode é um cuidado lá dele, de não detonar de vez a bomba. Já eu sou mais arrogante e digo que a vida começou sem os humanos e vai acabar sem a gente. Não somos os donos da chave e não seremos os últimos a sair. Aliás, acho antes que seremos postos para fora – por incompetência, inadimplência, abuso, e todo tipo de prevaricação em que a gente se meteu em favor da ideia de prolongar nossa própria vida. (p.54)” De cara, duas observações de ordem linguística – lato sensu. O uso do verbo prevalecer, parece equivocado. Prevalecer? Não seria mais apropriado usar o verbo “permanecer”. Parece que faz mais sentido, pelo menos, contexto em que se encontra, a ideia de permanência é mais coerente do que a ideia de prevalência. Nem mesmo com muita “licença poética” tal troca pareceria correta. Há de se lembrar que a licença poética não desculpa para encobrir incapacidade clareza textual… Mais adiante, há um “lá, solto, lépido e faceiro. Parece-me, de novo, um equívoco. Qual a função deste advérbio aqui? Seria dar um ar de coloquialidade do texto. Se assim for, é desnecessário, como se pode notar o texto é, em sua maior parte exemplo acabado de registro coloquial, logo, esse “lá” é absolutamente dispensável. A capa do livro onde se encontra o pequeno trecho entre aspas é até interessante. Não chega a ser original, mas faz jus à autoria do livro que não conheço pessoalmente. É “pessoa pública”, como se costuma dizer. Na atualidade, faz muito sucesso por aí devido às “pautas” que defende e exara com aparente sabedoria. Eu só fico pensando... e não entendo... Como é que pode?!

30.11.23

Momento

Foureaux

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Não se trata de uma expressão qualquer...

“Notável saber jurídico e reputação ilibada”.

Notável: adjetivo de dois gêneros, digno de nota, de atenção; que pode ser percebido; apreciável, sensível.

Saber jurídico: de acordo com Walber de Moura Agra: “notável saber jurídico significa que o cidadão, obrigatoriamente, deve ser bacharel em direito, com robustos conhecimentos que se traduzam em sapiência nos julgamentos.

Reputação: substantivo feminino, conceito de que alguém ou algo goza num grupo humano; renome, estima, fama.

Ilibada: adjetivo, não tocado; sem mancha; puro; que ficou livre de culpa ou de suspeita; reabilitado, justificado.

Tirem suas próprias conclusões.

22.11.23

Leituras

Foureaux

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O texto que segue foi publicado hoje num grupo de que faço parte - Compartilhando leituras - no Facebook. Como não sei quem tem curiosidade procurar por esse tipo de grupo... resolvi partilhar aqui. Dessa maneira, mantenho o ritmo de postagens do blogue, vencendo a preguiça...

Faz tempo que não partilho nada por aqui. O que não quer dizer que eu não esteja lendo. Pelo contrário. O prazer só aumenta com esta prática solitária e saudável, uma coisa insubstituível. Tenho o prazer de anunciar que, mais uma vez, decidi parar de ler um livro que estava me chateando muito Don Juan. Sim. Uma chatice. Parei no segundo canto. Não vejo sentido em me obrigar a ler o cartapácio enviado pelo Clube de Literatura Clássica do qual fui sócio. A edição é muito bem cuidada e bonita, como as demais do mesmo clube. No entanto, a leitura não rendia. Não vi graça nenhuma. Minha erudição não é para tanto, se é que tenho alguma. Entretanto, li três obras que me chamaram a atenção. Duas delas de um mesmo autor, sobre as quais quero comentar alguma coisa. São de um autor paranaense – Rogério Pereira. Ele é o editor do jornal Rascunho, do qual fui assinante. Desisti da assinatura porque os jornais não chegavam em data adequada, quando chegavam. Como tenho preguiça de ler em computador ou tablete, apesar de tentar continuar a fazê-lo, desisti, mas recomendo a assinatura e a leitura. O jornal é muito bom. Pois é. O Rogério, editor do Rascunho escreve, e bem. Os livros têm por título Na escuridão, amanhã (2013) e Antes do silêncio (2023). No mais antigo, os capítulos se organizam em dois blocos: letras e números. Confesso que não fiz um exercício que seria interessante fazer: anotar a ordem em que aparecem os capítulos indiciados por letras para verificar se a sequência obtida compões expressão que tenha algum sentido. Num segundo momento, este exercício levaria a considerações acerca da articulação desta expressão como o texto do próprio romance. Como não fiz o referido exercício fico na intuição de que alguma coisa resulta desta opção ficcional do autor. Os capítulos, então, vão compondo uma sinfonia dramática em que o leit motif é a relação da voz narrativa com sua mãe. Ela vai sendo apresentada em seus momentos mais cruciais durante o tratamento de um câncer. A primeira pessoa do relato esmiuça os detalhes – sórdidos, dramáticos, contundentes – de tudo o que envolve esta doença miserável. Suas opiniões, pensamentos, reações e cogitações compõem um painel doloroso de um processo em que toda uma vida se revê, como uma espécie de anamnese existencial que procura certa remissão. A estrutura do romance se alterna percepções de um presente narrativo com considerações de um passado recente e não tão recente assim. Isso faz com que esta narrativa se aproxima da outra. Nesta, a mais recente, o foco muda de mãe para o pai. Não há doença como costura de “episódios” relatados. Neste caso, o tom é mais confessional. A voz narrativa, na mesma primeira pessoa, faz considerações – nem sempre simpáticas – a seu pai. Um universo imenso de caraterísticas, situações, sentimentos e reações é caudalosamente articulado por um texto que flui de maneira densa, pesada, mas em nada e por nada desagradável. É bom ler este texto. Um detalhe interessante é que ambos os livros se desenvolvem numa chave bastante usual no âmbito da Literatura produzida no Brasil, em períodos alternados a outras experiências. O fato de os relatos se circunscreverem a uma primeira pessoa que narra, leva, imediatamente à consideração de dois traços característicos da própria ficção concebida por Rogério Pereira: o memorialismo e a autobiografia. Estes dois termos ensejam, para alguns, categorias narrativas “autônomas”. Declino do direito de polemizar com esta assertiva, sem deixar de registrar que trata-se de possibilidades de abordagem dos livros de Rogério Pereira. Quem afirmar que todo e qualquer texto narrativo – romance, conto ou novela – é fruto de um registro e de uma ficcionalização que passa, obrigatoriamente, pela memória e pela experiência existencial do autor, deixa de ser acurado em sua afirmativa. Há sempre controvérsias. Tal ideia não pode, por sua própria natureza, ser tomada como axioma irrecorrível do gênero narrativo, sobretudo quando se trata de um romance – ainda que curto, como é o caso aqui. Do contrário, quem nega resvala no mesmo equívoco. O que desejo afirmar é que: não conhecendo o autor pessoalmente e conhecendo menos ainda sua performance existencial – com exceção feita a seu exercício editorial de inquestionável valor – não posso afirmar que se trata de ficção, digamos, intimistas. Uso este termo para agradar a alguns críticos de plantão que ainda acreditam que tal “intimismo” é apenas resultado de uma espécie de relato subjetivo e confessional. No entanto, é impossível ceder à tentação de “imaginar” – aqui, este verbo é tudo! – a plausibilidade de tal possiblidade de abordagem. Pelo sim, pelo não, recomendo a leitura. Ainda que guarde certa dose mágoa: o autor jamais respondeu a uma carta que lhe enviei, quando do encaminhamento de dois livros meus. Eu adoraria ter recebi pelo menos uma nota de recebimento dos mesmos. Mas isso é outra história...

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