Rascunho
Assim, simples. Não seria uma história. Não de fato. Poderia ser, mas não sei. Não estou seguro se faria sentido se fosse mesmo uma história. O homem andaria muito, observando o sol, o vento, o céu. Sentiria o vento e a textura da terra em que pisa. Tudo com muita calma e prazer. Sim, prazer. Não seria possível imaginar esse homem sem prazer. Em todos os sentidos. Espero que isso venha a ficar claro. Pois então. O homem anda, por dias a fio, encontra lugares de que gosta. O ângulo da luminosidade. Os acidentes geográficos que pode identificar dali. Se for do alto de uma falésia, o mar seria outro ponto de interesse. Não importa. O que vale mesmo é saber que antes de mais nada ele anda, muto. E para sem cálculo, sem previsão. Para quando sente que deve parar e quando sente que o lugar em que está é suficiente para fazer o que ele tem que fazer. Sim. Ele faz porque tem que fazer. Claro que ele gosta, mas tem que fazer. O senso de obrigação é atávico e ele não sabe explicar por quê. As pessoas perguntam coisas a respeito. Perguntas soltas, às vezes desarticuladas. Ele sabe que todos querem saber o que ele também quer, e não sabe. Ainda. Acredita que com o resultado do que faz seja possível encontrar uma resposta. Ou não. Será que importa mesmo encontrar a resposta? Ele se pergunta, sempre, mas continua. Então... ele caminha. Senta-se e começa os eu trabalho. Aproveita as tonalidades que a luz do sol ou sua ausência oferece, à sua vista, à sua sensibilidade. Se alguém perguntar como é que sabe que está na hora e fazer o que gosta de fazer, ele, sem dúvida, responderá que é incapaz de dizer. Só sabe que percebe que a hora é aquela. Pronto. Ele começa a fazer. O senhor José começa a fazer. Não sabe ainda como vai continuar o que começou, mas vai fazer. Sentado, olhando para o nada, lembra-se do sonho. As mesmas putas. A cidade escura, úmida, em ruínas. As mesmas putas. O ônibus cheio de gente que passa rente à parede das casas. As mesmas putas. As ruas largar que dão em avenidas largas que são conhecidas, mas levam para a rua das putas, as mesmas putas. O ar fétido, umidade excessiva, fumaça, casas em ruínas, sujeira. As mesmas putas. O senhor José não sabia como se livrar das putas. Um incômodo com o qual, dizia sempre, estava cansado de lidar. Não sabia mais o que fazer. Aproveitar os flashes que tinha dos sonhos que sempre se repetiam. Pode ser uma ideia interessante. Não via maneira de se livrar das putas. Foi quando teve a ideia de começar o que começou a fazer. Não falou nada com Zuleica Sueli, mas tinha certeza de que, a certa altura, teria que contar pra ela. Muito curiosa. Boa pessoa, mas muito curiosa. Gostava de se pintar e o Senhor José não se incomodava. Tinha pena, na verdade. Sabia que Zuleica não era mais tão jovem e pensava que o exagero da pintura na cara só fazia tornar mais patética a situação de sua amiga. O senhor José era uma boa pessoa, um bom amigo e, de fato, não poderia ter a mais pálida ideia do que viria a acontecer depois que contasse para Zuleica o que iria fazer. Mas estava decidido. Pronto. Era hora de dormir!