Primeira versão II
Há poucos momentos olhei para o céu, de um dos lados da varanda de minha casa e vi nuvens, grandes, densas, volumosas. Levantei-me. Liguei o computador e deixei que as palavras viessem ao meu pensamento, escorrerem pelos dedos sobre o teclado, efeito da visão que me tocou. Não sei dizer como, nem porquê. Apenas, tocou. Daí escrevi isso:
De repente,
do lado esquerdo,
formas densas e brancas destacam-se
diante do fundo azul pálido em confronto
com o laranja avermelhado do lado direito,
como todos os dias,
o fim.
Formas oblíquas e volumosas
a desvelar saudades de mim
em perdidas quimeras aglomeradas
e soltas,
envoltas em inconsútil véu
ao léu
mesmo com a pobreza das rimas.
Saudades.
O que fazer com esse tipo de palavra
que inutilmente se utilizam ara nada
um vazio sonoro que retumba,
oco?
O que fazer com a ideia
volátil fumaça a esgarçar-se leve
como floco de neve
gris?
O que fazer?
Se, ao menos, pudesse, ou, antes, soubesse
dizer o que aqui dentro vai corroendo
silenciosa e temerariamente
o que não é possível dizer
porque dividendo
das experiências que já não há?
O invisível é, agora, a marca:
não mais corpos musculosos,
não mais curvas harmoniosas
não mais gíria atenta,
não mais chavões instigantes,
não mais estilo tribal,
não mais lugar destacado,
não mais... nada.
Invisível é o que o tempo produz.
Na multidão,
de olhar esgazeado por não entender
a própria invisibilidade,
o poeta pensa, com saudade de si mesmo,
pensa
e depois escreve, não o que pensa,
mas o que restou da experiência não falada
não escrita, dividendo inesperado,
ainda que anunciado.
Se o desejo não arrefece,
seu espaço míngua, involuntariamente.
Míngua, como a lua sazonal,
repetitiva como a constatação do mesmo,
sensual,
que instiga a febre fria
em tremores paralisados pelo tônus desgastado
da pele que um dia, num frêmito,
atraiu não apenas olhares cheiro se esvai, ou melhor,
é trocado.
O gosto se apura, ainda que difícil.
O gesto paralisa o pensamento
e o olhar do poeta circunvaga alhures
por horizontes alheios à procura,
de quê,
nem mesmo ele sabe, mas procura.
Depois escreve.