Brincadeira
Recentemente, vi um vídeo em que Vinícius de Moraes declama um poema seu (Ausência). Fiquei impactado. Gosto de ver/escutar poetas declamando seus próprios poemas. Já vi Drummond, Manuel Bandeira e agora Vinícius de Moraes. O poema causou-me tal impressão que resolvi fazer uma brincadeira: apropriei-me de alguns versos/fragmentos de versos e compus outro poema tentando ecoar o que li/escutei do original. Pretendo abrir meu novo livro de poesia (apocrifói) com o resultado desta brincadeira. Gostaria de saber sua impressão!
Exercício
Se tomo como minhas, palavras alheias,
não deixo de poetar.
Como se fosse possível
a originalidade
em absoluto.
Então, prossigo
Não vou deixar “que morra em mim”
o desejo de amar aqueles olhos doces
por impossível presentear, em agrado,
a não ser pela mágoa causada,
essa sim,
pela exaustão que os olhos alheios
enxergam
naquele que escreve em solidão.
Ainda assim, sentir sua presença
“é qualquer coisa como a luz e a vida”:
percepção de “meu gesto”
que ecoa no gesto seu
como se falássemos a mesma língua,
eco uma da outra.
Não quero ter você:
nisseo, “em meu ser tudo estaria terminado”.
Só quero sua aparição
assim
epifânica
“como a fé nos desesperados” –
caminho único “para que eu possa levar”
a “gota de orvalho”
como lágrima pendida sobre “terra amaldiçoada”;
inerte “sobre a minha carne”
fazendo as vezes de “nódoa do passado”.
Quero deixar assim, solene
a sua vontade de encontrar em outras
a própria face,
como se nos meus versos fosse.
Vou abrir caminho
para que o encontro desta face seja
o enlaçamento de dedos
em frenesi
que desabrocha em rara madrugada,
como foi um dia.
Desse modo, você
não poderá saber ter sido eu
a escrever
no intuito de tocar você
como quem colhe flor em jardim delicado,
na intimidade da noite que não mais há
“porque eu fui o grande íntimo da noite”
e nossos copos se encostaram
em outro frenesi, mais solerte e vão,
enquanto ouvia uma voz
a ciciar “fala amorosa”
de novo
num cruzar de dedos enlaçados em meio à névoa
suspensa no espaço.
Com meus versos,
trouxe para você, em mim,
a essência misteriosa do abandono
que foi deixado, presente alheio,
no “abandono desordenado”
de quem está só.
“Veleiros nos portos silenciosos”
da sedução inútil
de versos sofismáticos
à busca da conquista de alguém,
de alguma coisa,
a não deixar mais partir,
não mais.
“Todas as lamentações do mar”
ecoam o vento,
desenham o céu,
desdenham as aves,
invejam as estrelas
e serão a presença da voz alheia
presente
na ausência da minha
encarnada em versos sutis,
úmidos de sereno.
No intervalo, como aspas,
o alheio ecoa a mesma ânsia
de não saber como manter o peso
do verso que se desfaz.