Dezembro 04, 2022
Foureaux
Maria do Rosário Pedreira é uma portuguesa, editora e poeta que escreveu um livro chamado O Canto do Vento nos Ciprestes. Sem querer, por acaso mesmo, encontrei um poema dela, que faz parte deste livro, declamado por um rapaz. Um vídeo disponibilizado por alguém e que me chegou assim, de repente. Procurei o dito vídeo no Youtube. Não o encontrei, mas deixei reverbar a beleza dos versos da moça. Fiquei tocado. Imediatamente pensei em fazer um exercício poético, uma brincadeira: escrevi versos a partir dos versos de seu poema. O resultado (abaixo, depois do poema original) é o que segue. Ah... ia me esquecendo. Como não conheço o livro da portuguesa, não sei da disposição original dos versos. Assim, a disposição que aqui se apresenta corre por minha conta e risco.
Se partires, não me abraces
– a falésia que se encosta uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão das marés
e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz senão enumerar as próprias feridas
(como a falésia conta as embarcações perdidas nos gritos do mar);
e o rosto espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas.
Ah... faz isso...
deixa de me abraçar e não reclama depois.
Como um muro, o lamento vai escorrer, perene, sem deixar de ser o que sempre foi.
As marés temperam as idas e vindas o desejo, esse que o atormenta tanto.
A cada abraço, sinto que você vibra mais e as ondas rebatem a falésia dos corpos.
Ouço, então, o assovio das nereidas no atol de sonhos.
Veja: medo e prazer estão sempre juntos. Justa medida.
Respiramos o mesmo ar e o vento que sopra já não se distingue
e faz firulas no tempo, por isso não quero mais seu abraço.
O miasma que mancha minha pele, como roupa, envolve a sua vida.
A solidão que me sustenta e ronda aponta o que restou de azul no rosário de dores
(como o muro que reescreve os gemidos como naus bêbadas de saudade);
e o reflexo do luar espelha tristeza como pirilampos de mágoa.
Se você for embora, deixa seu abraço.