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As delícias do ócio criativo

As delícias do ócio criativo

Junho 06, 2023

Foureaux

Uma parábola mais que instigante. A sutileza e refinada mordacidade do autor dispensam qualquer comentário!

(Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-167/o-tucano-e-o-escorpiao/)

O tucano e o escorpião 

Era uma vez um tucano, com seu enorme e colorido bico, que ostentava com muito orgulho e vaidade. Ah, se tinha uma característica que definia esse tucano era a sua vaidade! Todos os dias ele olhava seu reflexo no lago antes de sair para suas atividades e pensava: “Não existe bicho mais belo do que eu nesta floresta inteira”. Mas nosso tucano era também excêntrico, e cismou que queria ter um escorpião de estimação. Seus colegas alertaram para o perigo: não é prudente ter um animal desses dentro de casa, pois tais aracnídeos são venenosos e é impossível confiar neles. Podem até parecer tranquilos e quietos durante o dia, mas na calada da noite costumam partir para o ataque. 

Uma sábia coruja ainda tentou persuadir o tucano: esses lacraus vivem há milhões de anos, são seres muito adaptáveis, resistem a quase qualquer clima, e nada disso é por acaso. Eles se adaptam, enfrentam as adversidades, e soltam seu veneno em suas vítimas quando interessa. Até canibalismo praticam, pois quando é questão de vida ou morte um escorpião não se importa de comer outro escorpião. 

Os escorpiões conseguem comer quantidades imensas de alimento, mas conseguem sobreviver com 10% da comida de que necessitam, podendo passar até um ano sem comer e consumindo pouquíssima água, quase nada durante sua vida inteira. São, enfim, sobreviventes, e isso configura uma ameaça a todas as presas em potencial. Por que o tucano estava tão seguro de que seria poupado? 

O tucano, muito gentil e educado, agradeceu pelos conselhos da velha coruja, mas nada o fazia tirar essa ideia maluca da cabeça: ele teria um escorpião em casa, pois achava o bicho encantador. Saiu em busca de um bem ameaçador, com aquele ferrão erguido no final da cauda pronto para abater a vítima. Ao encontrar um, pegou-o com o bico com carinho e o levou para sua casa na árvore. 

O escorpião, para a surpresa dos colegas do tucano, comportou-se como um animal civilizado, sem nenhuma tentativa de aplicar seu veneno à ave que o adotara. Um ano se passou, e ambos — tucano e escorpião — conviviam de forma amigável. Mas o escorpião começou a ferrar colegas do tucano, o que incomodou a ave bicuda, mas não a ponto de abandonar seu bichinho de estimação. 

Com o passar dos anos, contudo, o escorpião já tinha destruído todo o entorno do tucano, espalhando seu veneno, paralisando outros bichos da floresta, comendo sua carne. O grau da destruição causada pelo escorpião foi tanto que o tucano optou por expulsar o aracnídeo do local. Ele estava convencido, finalmente, do perigo do bicho, e se deu conta de que, se nada fosse feito, seria sua próxima vítima. Agiu com certa tristeza, é verdade, mas se livrou do escorpião. 

Como novo bicho de estimação, acabou arrumando um cavalo arredio. Ele dava coices para o ar, era um tanto bronco, mas não oferecia ameaça real ao tucano ou seus colegas. Ao contrário: o cavalo passou a trabalhar pesado, servia para levar cargas, como força motora para proteger o tucano de inimigos. Mas o cavalo não tinha nenhum refinamento, e como isso incomodava o nobre tucano! Era insuportável para a ave vaidosa ver todos os dias aquele cavalo sem nenhuma compostura, dando coices no ar. Aquele cavalo era selvagem demais, não dava para domesticá-lo como o tucano pretendia. 

O tucano, então, tomou sua decisão: o cavalo seria eliminado e ele traria o escorpião de volta. Como o cavalo já havia tido cria, era preciso prender tanto ele como os potros, para que ficassem longe da vista do tucano. A ave bicuda convocou um pit bull para fazer o trabalho sujo. O cão correu atrás do cavalo e seus filhos com enorme satisfação, com baba escorrendo pela boca, até que todos estivessem devidamente trancafiados e bem longe do tucano. Ele chegou a redigir uma carta alegando que era preciso ter o escorpião de volta em sua vida para salvar sua alegria. Mas a alegria durou pouco. Livre do incômodo equino, o tucano partiu em busca do escorpião e o trouxe de volta para casa, para desespero da coruja. Espantada, ela perguntou se a ave nada tinha aprendido com a experiência recente. Mas o tucano era insistente, tinha além do bico a cabeça bem dura, e estava convencido de que dessa vez daria certo, de que o escorpião tinha aprendido sua lição e voltaria dócil, manso e amigável. “O amor venceu”, disse o tucano a uma incrédula coruja. Porém, isso não passava de uma ilusão do tucano. Ele chegou a redigir uma carta alegando que era preciso ter o escorpião de volta em sua vida para salvar sua alegria. Mas a alegria durou pouco. Em alguns meses, o escorpião já tinha ferrado vários amigos do tucano, que se mostrava assustado com aquele ferrão poderoso. “Estou com medo”, revelou o tucano a um companheiro. Mas era tarde demais. 

Em determinada noite, o escorpião saiu de seu esconderijo numa casca de árvore e meteu seu ferrão no próprio tucano. Agonizando de dor, enquanto o veneno corroía seus órgãos, o tucano ainda balbuciou: “Se ao menos eu tivesse sido mais simpático com o escorpião, tudo poderia ter sido diferente…”

Junho 01, 2023

Foureaux

Definitivamente, não gosto de domingo. É o dia mais bobo da semana. Sempre. Quando trabalhava, o domingo era a certeza de que no dia seguinte tudo ia se repetir, do mesmo jeito, no mesmo ritmo. as mesmas chatices e manhas. Os mesmos dissabores e arrependimentos. A mesma canseira. Tudo igual. Pior era quando as aulas começavam às sete e meia da manhã. Teoricamente apenas. apenas nos primeiros anos, na segunda universidade em que trabalhei, os alunos chegavam no horário. Talvez por conta da “novidade”: professor novo “na casa”. Ai como essa expressão me incomodava! Lá no Sul era diferente. As aulas eram “corridas”. Todas no mesmo dia. Não tinha esse negócio de duas aulinhas hoje e duas na depois de amanhã. Horário corrido: mais inteligente, mas eficaz, mais rentável. Hoje isso não “cola”. A geração floco de neve não aguenta. O professorado, infelizmente, em boa parte dele, não tem condições de manter o ritmo necessário. Outros tempos. Isso se deve, por evidente, à minha chatice. A ela também s deve a observação de coisas corriqueiras às quais quase não se dá atenção. Por exemplo: por que a maioria das pessoas que anda pelas ruas não caminha no meio fio, mas na pista de rolamento do tráfego? Ou por outras: por que as pessoas preferem atravessar uma rua ou avenida pela pista, sem sinalização para tanto, bem embaixo de uma passarela para pedestres? Outra coisa que observei mais recentemente tem a ver com velórios. Assunto desagradável, triste, pesado, mas vá lá... É “moda” agora velório curto. Dependendo a empresa que administra o “campo”, há sempre um violinista tocando no jardim que entra para as salas de velório na hora de sair o féretro (popularmente conhecida como a hora de fechar o caixão). No entanto, o mais esdrúxulo é a quantidade de comida e bebida que fica disponível na “sala de descanso” da mesma sala de velório. Se o velório é curto, para quê a quantidade enorme de comida? E outra: as pessoas vão a velório pra comer e tomar café? Penso que não se trata de um ambiente para socialização, no sentido mais estrito do termo e da prática. Mas... De novo, a minha chatice. E há otras cositas. Gente que ocupa duas vagas de estacionamento no meio fio, quando poderia, muito bem, com pouco esforço, mas alguma inteligência, ocupar apenas uma. Gente que entra no supermercado pela passagem dos caixas de pagamento: será que elas não sabem que existe uma “entrada” propriamente dita? Por falar em supermercado, por que há tantos caixas se apenas dois ou três funcionam, mesmo nos horários de grande movimento. Há sempre uma quantidade considerável de “funcionários” – em seus mais variados estatutos na empresa – conversando, andando de lá para cá, fazendo nada... Pois é... faço jus ao epíteto que eu mesmo me dei: chato.

Abril 26, 2023

Foureaux

Desde que me entendo por gente sei que a Língua Portuguesa é uma língua viva. Logo, por via de consequência, tudo o que nela se cria é passível de explicação, de esclarecimento. Um dos instrumentos para isso é o estudo da composição das palavras. Nem todas as palavras da Língua Portuguesa são simples. Ou seja, algumas são formadas pela junção de dois (ou mais) elementos. Por exemplo: Filosofia é o nome de uma disciplina (ou ciência, a escolha ainda é livre!) que em sua formação junta dois elementos philo e sophia. Ambos são originários do Grego. Philo quer dizer “amizade, amor fraterno”, sophia quer dizer “sabedoria”. Filosofia, portanto, significa “amizade pela sabedoria”. Claro está que este é o sentido etimológico do termo, o que não impede que outras maneiras de identificar o significado dele sejam possíveis. Falo disso por penso em quatro palavrinhas esquisitas: Escopofobia (medo de ser olhado ou encarado por outras pessoas), Agorafobia (medo e/ou ansiedade de ficar em situações ou locais sem uma maneira de escapar facilmente; medo de grandes áreas abertas); Fagofobia (condição psiquiátrica caracterizada pelo medo de sufocar ou engasgar ao engolir alimentos ou comprimidos). É necessário notar que as três palavrinhas esquisitas têm seu sentido resultante da sua composição com dois elementos, a saber, pela ordem: escopo+fobia, agora+fobia, fagos+fobia. Não estou dando aula de Morfologia, em seu capítulo dedicado à formação de palavras. Por conta disso, dirijo o foco de minhas elucubrações sobre o segundo elemento composicional – fobia. Esta palavra é originária do termo grego phóbos que significa ação de horrorizar, amedrontar, dar medo + -ia, partícula que remete à ideia de organização, sistematização, ordenamento. Em outras palavras, fobia é o termo que indica medo exagerado de algo ou de alguma situação. Gera no indivíduo uma sensação de terror, pânico, ansiedade e perturbação. Ora, ora, ora... Fica mais que cristalinamente claro que todas as palavras que carregam em sua forma o elemento composicional “fobos”, como nos exemplos apresentador, vai ter em seu sentido a ideia de medo. Isso é mito importante para o que desejo, de fato, comentar. Dadas estas diretrizes de raciocínio, vamos considerar três palavrinhas, igualmente esquisitas (ainda que não pela mesma razão). Elas andam circulando serelepes e fagueiras nas “bocas de matildes” que pululam pela face do rincão nacional, para não dizer do planeta. São elas: gordofobia, homofobia e transfobia. Seguindo o raciocínio anterior (sempre lembrando que posso estar redondamente enganado e tendo a certeza de que vou desagradar a muita gente, mas isso não me importa... mesmo!), creio não estar equivocado ao afirmar que gordofobia é medo de gordos/as ou de gordura; homofobia é medo de homossexuais e transfobia é medo de pessoas trans (alguém em sã consciência e de posse de todas as faculdades mentais equilibradamente em funcionamento pode explicar o que é, de fato, isso?). Estou certo? Estou errado? Se é assim, uma pessoa não pode ser presa, criminalizada, escorraçada, isolada, punida por “ser” gordofóbico, homofóbico ou transfóbico. Por uma questão de etimologia, de processos de formação de palavras e de morfologia, essas pessoas identificam pessoas ou situações que têm medo. Não são pessoas que cometem crimes ou ofendem a quem quer que seja. Elas têm medo. Pode ser que os doutos conhecedores de tudo, sempre de plantão para suplantar elucubrações como as minhas, venham a desferir um golpe mortal sobre a minha pretensão obtusa (para eles!). Ou seja, Pessoas que têm medo de fordos/as ou de gordura, de homossexuais e de pessoas trans, podem, em função deste medo, cometer crimes de sectarismo, de ofensa à pessoa humana, ou crimes de outra natureza que o judiciário venha a determinar como tal (é assim que as coisas andam acontecendo aqui nos estados unidos de bruzundanga). Com raiva ou medo (para esses “doutos” dá no mesmo) o resto da humanidade tem que se calar sobre um fato linguístico, ainda que passível de diversa interpretação discursiva. Creio que é possível comparar esta situação com a incrível abstração de acreditar (e querer impor esta crença) na existência de mais de dois sexos, BIOLOGICAMENTE determinados: o masculino (XY) e o feminino (XX). Talvez eu devesse inverter a ordem destes dois nomes, para não ser acusado de misoginia. Mas vou deixar assim como está. Pressinto que as pedras vão começar a cair assim que a postagem “for ao ar”. mais não digo!

Março 30, 2023

Foureaux

No penúltimo dia de março, bem longe de ser como “as águas de março, fechando o verão”, faço mais uma postagem. Depois de outro dos muitos “intervalos” na minha sequência de postagens. Elas já estão mais que devidamente justificadas, ainda que disso não precisem. Para nada! Então... Li o texto que segue na página de Facebook de uma amiga, ex-aluna, do Rio Grande do Sul, a Rosa Lilia Torres Delabary. Reproduzo ipsis litteris o dito cujo. Sem tirar nem por. E sem comentários, pois contundente é sua mensagem e irrecorrível, o meu acordo, apesar de não ser pai e, para além disso, ser muito grato por não sê-lo! Ah... is me esquecendo, o texto é irônico, viu! (É sempre bom esclarecer...!)

“Como criar um filho(a) inútil

Mário Corso (mariofcorso@gmail.com)

Para criar um filho inútil, você terá que ser muito útil. É preciso seguir corretamente alguns passos. Parece fácil, mas requer dedicação, ninguém nasce inútil, torna-se inútil.

Começaremos com o espírito que perpassa a empreitada. Existe uma tendência natural de os filhos acreditarem que seríamos mais ricos e poderosos do que somos. Se você conseguir manter essa ilusão, é meio caminho andado. Ele vai sentir-se como um futuro herdeiro.

Mantenha-o livre de tarefas dentro de casa. Ele não deve fazer nada. A magia das roupas faz parte do treino. Quando esparramadas pelo chão, devem aparecer limpas e arrumadas no armário. Tudo na casa é assunto dos pais ou dos empregados. A etiqueta à mesa está ultrapassada, ele pode sair da mesa para voltar ao videogame, ou ainda comer sozinho no quarto. Isso instala a magia da louça: agora suja sobre a mesa, aparecerá limpa e no mesmo lugar na refeição seguinte. Só devem ser familiares a ele a geladeira e a despensa de alimentos prontos. Vai que ele tente uma receita, pode descobrir que nada é fácil. Na escola, caso a direção o chame, fique ao lado dele. Se conseguir boas notas, não elogie o esforço, chame o de gênio. Instale uma visão pragmática, estudar só para a prova e o vestibular: isso garante que ele não se apaixonará pelo saber. Igual, o dinheiro pode lhe dar um diploma. Cuidado com os esportes. Se ele se apegar a uma prática e perseguir melhores performances, pode desenvolver a perseverança e a tolerância à frustração. A qualquer mínima queixa, troque de esporte. Isso vale para música. Eles seguem o exemplo, se você não ler nada, ele vai achar desnecessário. Se você só tiver olhos para o celular, ele fará o mesmo. Fique de olho na sociabilidade, ele pode descobrir que nem todo mundo é seu fã.

Dê tudo para seu filho, atenda a seus caprichos. Você finge ser rico, esteja à altura. É provável que seu filho atraia uma pessoa tão inútil como ele e a traga para morar em casa. Possivelmente, farão um filho sem pensar e você terá a alegria de um neto, ou mais, em casa. Sustentar todo este povo é um incentivo para seguir trabalhando. Adeus à vagabundagem da aposentadoria. Você se sentirá útil e produtivo até o fim dos seus dias. Você deve estar pensando: mas e depois que eu partir? Sossegue, você não estará aqui para ver. E, com todos esses gastos, conseguirá tornar seu filho um herdeiro, de dívidas.”

GZH

Leia outras colunas em gzh.com.br/mariocorso

 

Fevereiro 15, 2023

Foureaux

Minha postagem de hoje, apesar da canícula indecorosa da tarde e início da noite, faz uso de um famigerado princípio ativo na composição das igualmente famigeradas “narrativas”: o princípio da repetição. O texto não é meu (como vai registrado no fim dele). Gostei e repito, pois tenho a impressão de que já escrevi sobre o assunto umas duas vezes por aqui. Não importa. Como o princípio da repetição é que me move hoje, lá vai...

“Professora de Português dando aula. E que aula!!!*

‘Vamos conversar.

Não sou homofóbica, transfóbica, gordofóbica.

Eu sou professora de português.

Eu estava explicando um conceito de português e fui chamada de desrespeitosa por isso.

Eu estava explicando por que não faz diferença nenhuma mudar a vogal temática de substantivos e adjetivos pra ser ‘neutre’.

Em português, a vogal temática na maioria das vezes não define gênero. Gênero é definido pelo artigo que acompanha a palavra.

Vou mostrar para vocês:

O motorista. Termina em A e não é feminino.

O poeta. Termina em A e não é feminino.

A ação, depressão, impressão, ficção. Todas as palavras que terminam em ação são femininas, embora terminem com O.

Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, emocionante, livre, doente, especial, agradável etc.

Terminar uma palavra com E não faz com que ela seja neutra.

A alface. Termina em E e é feminino.

O elefante. Termina em E e é masculino.

Como o gênero em português é determinado muito mais pelos artigos do que pelas vogais temáticas, se vocês querem uma língua neutra, precisam criar um artigo neutro, não encher um texto de X, @ e E.

E mesmo que fosse o caso, o português não aceita gênero neutro. Vocês teriam que mudar um idioma inteiro para combater o ‘preconceito’.

Meu conselho é: em vez de insistir tanto na questão do gênero, entendam de uma vez por todas que gênero não existe, é uma coisa socialmente construída.

O que existe é sexo.

Entendam, em segundo lugar, que gênero linguístico, gênero literário, gênero musical, são coisas totalmente diferentes de ‘gênero’.

Não faz absolutamente diferença nenhuma mudar gêneros de palavras.

Isso não torna o mundo mais acolhedor.

E entendam em terceiro lugar, que vocês podiam tirar o dedo da tela e pararem de falar bobagem e se engajarem em algo que realmente fizesse a diferença para melhorar o mundo, ao invés de ficarem arrumando discussões sem sentido.

Tenham atitude! (Palavra que termina em E e é feminina).

E parem de ficar militando no sofá! (palavra que termina em A e é masculina).

Quando me questionam por que sou de direita, esta é a explicação:

Quando um tipo de direita não gosta de armas, não as compra.

Quando um tipo de esquerda não gosta de armas, quer proibi-las.

Quando um tipo de direita é vegetariano, não come carne.

Quando um tipo de esquerda é vegetariano, quer fazer campanha contra os produtos à base de proteínas animais.

Quando um tipo de direita é homossexual, vive tranquilamente a sua vida.

Quando um tipo de esquerda é homossexual, faz um auê e inventa que está sofrendo de homofobia.

Quando um tipo de direita é ateu, não vai à igreja, nem à sinagoga, nem à mesquita.

Quando um tipo de esquerda é ateu, quer que nenhuma alusão a Deus ou a uma religião seja feita na esfera pública.

Quando a economia vai mal, o tipo de direita diz que é necessário arregaçar as mangas e trabalhar mais.

Quando a economia vai mal, o tipo de esquerda diz que os ‘malvadões’ dos patrões são os responsáveis e param o país.

Tese final:

Quando um tipo de direita lê este texto, ele ri, concorda que infelizmente é uma realidade e até compartilha.

Quando um tipo de esquerda lê este texto, te insulta e te rotula de fascista, nazista, genocida, etc. .’

Aula encerrada.

________

*domínio público”

 

 

Janeiro 31, 2023

Foureaux

Acabei de reler pela terceira ou quarta vez, já perdi a conta, um romance monumental: Os Maias, do Eça de Queiroz. Ou será Queirós? Queiróz? Talvez Queirós? Vai saber. Já estou definitivamente afastado dessas firulas ditas acadêmicas. Isso não tem a menor importância aqui. O que vale mesmo é o “peso” do livro, inclusive, em sentido literal. Longe de mim dizer que o tal “peso” denota desarranjo, dissabor, desprazer ou dificuldade. Longe mesmo! O romance é mesmo monumental e seu peso é de glória, de realização, de importância. É o que vale. Eça, neste romance, dá uma lição de ritmo narrativo. Ouso dizer que mais prazer me causou o tal ritmo em Raquel de Queiroz e em José Lins do Rego. Mas vá lá, no Eça, tem-se outro exemplo cabal de maestria no domínio desta peculiaridade narrativa. O primeiro capítulo (se não me engano um dos mais curtos do romance, se não o mais curto), corre ligeiro e coloca, de imediato, em cena, a estrela principal: Carlos da Maia. A seu lado, um pouco mais adiante, aparece aquela que, para mim é a outra personagem central, literalmente central, do romance: João da Ega. O dramatis personae composto pelas demais figuras narrativas que aparecem é apenas complementar, fundamental, mas complementa a centralidade acachapante de Carlos e João. Que dupla! Numa pincelada ágil, volátil, certeira, a vida de Pedro da Maia, a história de Pedro e o aparecimento de Carlos da Maia no cenário da Lisboa de sempre – sob a pena do escritor português – se dá, aparentemente, num estalo se comparada ao restante dos episódios que vão sendo cirurgicamente costurados pela voz narrativa que tudo sabe, tudo vê, tudo explica. A ironia do autor, obviamente, dá o ar de sua graça. Nessa releitura, não fiz como na imediatamente anterior. Nesta, procurava reencontrar uma cena em particular: Carlos da Maia vai à casa de João da Ega e o encontra a sair do quarto onde está outro rapaz. A cena, se a minha memória não me trai, é rapidíssima e não apresenta – ainda uma vez, aparentemente – nenhum desdobramento inescapável para a economia do romance. Eu digo isso sob a égide de uma perspectiva particular de leitura, o que não invalida as outras, por um lado. Por outro, esta mesma perspectiva intenta descortinar novos horizontes de expectativas para a mesma fortuna crítica do romance. Ocorre que chegou aos meus ouvidos um alerta sobre alguém que se sentiu “curioso” com a referida cena. Devo confessar que quando da penúltima leitura, não consegui localizar a dita cuja. Nesta última, a partir da qual escrevo hoje, isso não estava nas minas intenções subliminares, mas, confesso, foi superado por uma surpresa ainda maior. Mais tarde volto a isto. Pois então, o tal alerta apontava para a cena a que me referi no sentido de estranhar que um autor como Eça pudesse deixar entrever um resquício que fosse de algo fora dos padrões morais e socioculturais de sua época. Esta é a segunda parte do que vou tratar daqui a pouco. Voltando à leitura atual, há de ratificar a extrema acuidade com que Eça monta seu quebra-cabeça ficcional. O enredo fala de um casamento fortuito e circunstancial (Pedro e Maria Monforte, a negreira), sob o olhar embevecido de seu pai (Afonso da Maia). O universo masculino preponderante, apresenta, então, nesta altura da narrativa, um quadro ínfimo de personagens femininas, todas elas acessórias, decorativas. No segundo passo do romance, quando Carlos se forma, e retorna de uma viagem longa para complementar sua “formação, o quadro feminino é acrescido de outras figuras femininas, eu diria, igualmente decorativas, com exceção da Gouvarinho – que colabora para a exposição de tese interessante sobre o comportamento masculino e feminino numa Lisboa em fase de transição sociocultural. Nesta altura, a atenção do leitor se volta para a evolução moral de sua estrela principal, Carlos da Maia, até o momento em que conhece Maria Eduarda. Já estamos no terceiro passo do romance. Nesta fase, a “maturidade” afetiva de Carlos parece estar consolidada. É quando se percebe, subliminarmente, que Carlos não trabalha, mas vive das rendas da família, numa abundância digna dos detalhes concebidos e outorgados pelo autor. Ao chegarmos ao passo final, o desenlace se dá de maneira trágica: a descoberta do incesto, por conta de uma “peripécia” do passado dos Maias, segredo guardado a sete chaves pelo avô, patriarca. Maria Monforte junta-se com um nobre italiano e abandona Pedro, que se mata. Do casamento com o português, nascem dois filhos: Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Na fuga, a adúltera vai para Paris levando a filha. Anos depois, tem outra filha, em Londres, que morre. Deixa chegar aos portugueses a notícia de sua morte, mas sem esclarecer que se trata da segunda filha. Está armado o circo – será que ela fez de propósito? – para os que ficaram em Lisboa. Com o passar do tempo, o fatídico acontece propiciando o encontro e o envolvimento amoroso – sério, profundo – entre Carlos Eduardo e Maria Eduarda, irmãos, mas ignorantes do fato. O final não poderia ter sido outro. O patriarca morre de desgosto – ainda que o Vilaça assevere que foi consequência de patologia cardíaca – Carlos Eduardo desfaz o compromisso com Maria Eduarda que vai para Paris e... aí é que mora o busílis. A minha surpresa nesta releitura. Se a cena em que João da Ega sai de seu quarto deixando lá um rapaz sob o olhar desconfiado de Carlos é um tanto instigante, o final do romance, ousaria concluir, é definitivo. Como disse antes, as mulheres, neste romance, desempenham papel decorativo. O mundo masculino é o cenário ideal pintado pela pena do escritor português que, através dele, esmiúça as entranhas da sociedade portuguesa, mais uma vez, com finalidade não explícita. Por isso, eu disse, o peso do romance. Ele deixa a cargo do leitor- mas nem tanto – a função de terminar o real sentido de suas insinuações. É nesta perspectiva que me admiro, positivamente com o final do romance. De certa forma, ele comtempla e confirma dúvida que paira quando da cena do quatro do João da Ega. No final do romance, depois de superadas as perdas e resolvidas as questões, digamos, práticas do imbróglio em que se meteu Carlos da Maia, ele e seu “fiel” amigo fazem uma longa viagem juntos. E não há referência à presença fundamental de mulheres, ainda que se possa, com toda tranquilidade, intuir que elas estarão presentes no périplo dos dois amigos. Na volta, quando de uma visita ao ramalhete, lá estão os dois, de novo, sós, um e outro, a combinar pândegas. E o romance acaba com uma corrida para pegar o comboio que os vai levar a mais uma de suas “farras” com os “rapazes” finos da então nobre sociedade portuguesa. Mais não digo...

Janeiro 27, 2023

Foureaux

O Brasil é um país interessantíssimo. Sua História política é algo que se repete a cada quatro anos – tempo de mandato da presidência da república. Com alguma sorte, depois do famigerado FHC, a reeleição pode manter na cadeira, o mesmo presidente. Teoricamente isso dar-lhe-ia a oportunidade “glorioso” de fazer cumprir o seu “plano de governo”, quando, é óbvio, há um! No andar tradicional da procissão, a mesma ladainha se repete a cada quatro anos. Tudo o que o governo que é substituído fez não presta. Todos os defeitos e problemas nacionais assumidos pelo novo eleito é pura e absolutamente responsabilidade do governo anterior. Com raríssimas e honrosíssimas exceções, cada quatro anos faz-se tabula rasa de tido. É como se o país, a nação, o Estado, fosse ter um início original, um novo “gênesis”... Este ano mão foi diferente. Há, porém, uma particularidade. O que assumiu volta depois de seis anos de espera, de matutagem, de enredo, de “preparação. No meio do caminho, houve um ensaio, patético e canastrão, de aprisionamento. Preso, numa dependência que não era do sistema carcerário, com múltiplas regalias, com direito a entrevista e manifestação oral, visitas a tempo e a hora. Mais de um ano. Agora, o condenado preside o país. Sob os aplausos de boa parte da famigerada “mídia”, das miríades e miríades de fanáticos que, com voracidade, já retomam pontos estratégicos da administração, com o beneplácito do simbolismo de um homem corrompido e corruptor, que se faz de vítima e de pai dos pobres, simultaneamente. Um homem em quem não se pode confiar, pois mente e confessa que mente. Inexplicavelmente, este homem está, de novo, sentado, na cadeira mais importante do país. Há que se fazer uma ressalva quanto a este último detalhe. Pode ser que a importância não seja assim definitivamente do assento presidencial. Há outro, togado – de preto e vermelho – que ocupa o esdrúxulo cargo de presidente de um supremo tribunal eleitoral. Esse aborto da administração pública só existe aqui, nos estados unidos de bruzundanga, até prova em contrário. Não vou “checar as fontes”, como é costume cobrar de mim. Preguiça, muita preguiça. O que me incomoda é que, repito, inexplicavelmente, há uma população numerosa que não consegue deixar de incensar este homem, vendo nele a encarnação da alegria, da felicidade, do amor. Ele não pode andar pelas ruas das grandes cidades sem correr o risco de receber interpelações, digamos, pouco lisonjeiras. Nega-se a ocupar a residência oficial da presidência da república, sob o pretexto de que ela foi deixada em frangalhos pelo “genocida” que a ocupou com sua família nos quatro anos anteriores ao retorno – sim, é assim mesmo que o presidente anterior é tratado, e foi tratado durante os quatro anos que ocupou o mesmo cargo de quem agora o ocupa. Um descalabro. Outra coisa que me espanta é que, em que pese a pessoa do antecessor, sua história, suas credenciais, seu comportamento, etc., o que espanta é que mesmo debaixo de saraivadas e saraivadas de chumbo grosso, vinte e quatro horas por dia, durante quatro anos, a equipe montada pelo antecessor, conseguiu, a duras penas, fazer com que certa estabilidade econômica fosse alcançada. E foi preciso que a imprensa internacional dissesse isso, pois a doméstica só continuava sua saga de destruição, negação e condenação de tudo e mais alguma coisa que a equipe fazia. Todo o seu trabalho sempre foi taxado de ruim, atrasado, nefasto e errado. Uma coisa! Nos dias que correm, há duas novidades que se anunciam e se sustentam na “voz do povo”. A primeira delas diz respeito ao antecessor que está sendo massacrado por fatos que ocorreram após sua saída de cena (um tanto covarde, convenhamos) por conta de atos de vandalismo – que a imprensa e seus asseclas insistem em denominar de terrorismo, no cometimento de um equívoco monumental – ocorridos logo na primeira semana do novo mandato. Há que se registrar o fato de que, a cada dia, aparecem (dizem...!) evidências de que os que entraram e tinham responsabilidade de evitar (porque foram devidamente alertados do que estava para acontecer) o ocorrido, não o fizeram. Sabe Deus por quê! A outra novidade é que os índios no norte do país estão doentes, malnutridos e morrendo por conta dos efeitos da má gestão do que se chama “política de reservas de territórios indígenas”. Digo novidade, com ironia, claro, por conta de que, desde que me entendo por gente (e já há um tempinho que isso se deu!) escuto notícias e detrações e lamentos e detrações sobre esta situação. Isso não é coisa de ontem, nem de anteontem, nem de reflexo de erros cometidos nos quatro anos que antecederam a (re)posse. Vem de longe. Por isso mesmo é que comecei dizendo que, ao que parece, a História política brasileira se repete a cada quatro anos, lamentavelmente. Há um mecanismo automático que acomete a todos os que ascendem ao “poder”, como se isso, de fato, existe, ontologicamente falando. Sei que muita gente, se pusesse os olhos em cima disso que acabei de escrever, ia jogar pedras em mim, me xingar, me ofender, me cancelar... etc., etc., etc. Se ao menos eu tivesse certeza de que leram mesmo até o fim. E leram com olhos de ler e não com olhos de enxergar apenas o que interessa do jeito que interessa. O que não se coadunar com essas premissas não presta, está errado, é crime, é negacionismo... etc., etc., etc. E la nave va!

Setembro 26, 2022

Foureaux

No romance que tenho tentado escrever, a duras penas, Otacílio Piffio é o pseudônimo de um autor que escreve um romance intitulado O útimo d desejo de Otacílio Piffio. Ainda não sei que continuidade vou dar aos três trechos que já escrevi. Vasculhando os arquivos do computador, encontrei o texto que trago hoje e que resolvi inserir no romance. Vai ser parte de uma digressão que o protagonista do romance "escrito", no romance que eu escrevo (Otacílio Piffio), vai fazer diante de uma situação, digamos inusitada. Segue o trecho:

"Não quero a mirada da mediocridade a obscurecer os momentos de lucidez que, porventura, venham a me inundar a alma. Não mais ter que aguentar as caras tortas de quem acredita que um poema vale menos, bem menos, que tudo que alguém pode dizer sobre ele. Mesmo quem jamais “leu” o poema como seria de esperar. A dispensa do poema não é garantia de melhor abordagem teórica ou crítica ou analítica. Os detalhes de um poema contam. A discussão começa por conta da dúvida sobre o “excessivo” uso de vírgulas ou de pronomes relativos na composição de seu poema. Foi “decretado”, antes de tudo começar, que a biografia do poeta é dispensável, por foça de sua influência sobre o entendimento da “mensagem” do poema. Comecei a rir. Daí, um salto para a circunscrição do poeta e de seu poema na “série histórica” da literatura nacional à qual pertence, sem esquecer, é claro, o problema dos gêneros, subgêneros tipos textuais e quejandos que a poética – a de Dilthey ou a de Hegel, bem entendido –, exigem como conditio sine qua non. Eles não sabiam o significado da expressão, assim como desconheciam o bom uso da mesóclise. Patético."

Abril 14, 2022

Foureaux

O texto que segue não é meu. Publico-o aqui por ser um exemplo de fina ironia, desvelada numa linguagem acuradíssima. É texto que dá prazer de ler. E muito. As omissões representadas por (...) se devem ao fato de que desejo preservar a identidade das “personagens” envolvidas, mas, acima de tudo e antes de mais nada, a minha própria tranquilidade. Não quero ser incomodado por A ou B em função de ter publicado este texto. Não desejo ser acusado “disso ou daquilo” por fazê-lo, como se isso, e somente isso, fosse suficiente para me acusar de estar “de um lado ou de outro”. Espero que gostem (e se divirtam!) com um texto tão bem escrito! Espero mesmo, como eu me diverti, e muito!

“A coluna de (...) em O Globo de 14 de janeiro noticia, com chamada na primeira página, que um segurança do Hotel Intercontinental barrou a entrada de uma jovem senhora negra por achar que se tratava de garota de programa, quando ela chegava acompanhada do marido, (...), diretor do (...). No entender do colunista e do editor da capa, o fato tipifica o crime de racismo. A acusação é repetida no dia 15, em matéria assinada por (...), e provavelmente será endossada pelo consenso das classes letradas, dos políticos, dos líderes religiosos, dos artistas e, enfim, de todas as pessoas maravilhosas.

Modismos à parte, no entanto, o segurança não pode ser acusado senão de um erro de raciocínio indutivo, a que qualquer um de nós estaria sujeito em iguais circunstâncias. Todo habitante do Rio de Janeiro sabe que, quando vê na praia de Copacabana um europeu bem vestido e de meia-idade de braço dado com uma negra, em geral não está diante de um quadro paradisíaco de harmonia conjugal por cima das diferenças de raça, mas sim de um caso vulgar de turismo sexual. É fato notório que a eventual atração do europeu por mulheres negras quase nunca dá em casamento, mas, reprimida pelo racismo, vem buscar expressão clandestina em hotéis cariocas, bem longe do olhar fiscalizador dos vizinhos e parentes. Não há nada de anormal nem de criminoso em que um porteiro ou segurança, vendo o par afro-germânico, interprete a cena no sentido mais óbvio e costumeiro, seguindo uma presunção de senso comum e não lhe ocorrendo a hipótese, rebuscada e invulgar, de estar diante de um casal regularmente casado. Se esta hipótese, no caso, coincidiu com a verdade, foi com uma probabilidade de um em mil, para dizer o mínimo. O segurança, longe de ser ele próprio um racista, deve antes ser acusado de prejulgar como racista em incursão sexual furtiva o inocente amigo da raça negra, que santamente se dirigia ao leito com sua legítima esposa. E é certo que sua suposição não se fundou só na observação corriqueira do que se passa nas praias cariocas, mas também num preconceito forjado pelos meios de comunicação, que, disseminando uma suscetibilidade racial exagerada, acabam por induzir as pessoas a encarar como coisa rara e inverossímil o casamento de branco e negra, ou branca e negro, na verdade uma norma e padrão neste país de mestiços.

Qualquer pessoa no pleno uso de suas faculdades mentais, a quem não cegue um parti pris rancoroso e demagógico, vê que o episódio não foi causado por um preconceito racista, mas, bem ao contrário, por uma atmosfera generalizada de prevenção exagerada e neurótica, que procura suspeitos de racismo embaixo da cama e quando não os encontra os inventa.

Desejariam os nossos jornalistas que o segurança, incumbido de suspeitar, em princípio, de todas as mulheres jovens, abrisse exceção sistemática para as negras, fundado na ideia de que muitas delas são casadas com banqueiros suíços? Façam uma estatística, pelo amor de Deus: quantos, dentre os suíços e alemães que entraram em hotéis do Rio de Janeiro no mês passado com mulheres negras, eram maridos delas? Quantos eram turistas que, na sua terra de origem, não desejariam ser vistos com mulher negra?

Fui casado por mais de uma década com mulher negra e ela só foi barrada uma vez, no cinema, porque parecia menor de idade aos 22 anos. Uma jovem de hoje não acharia o episódio lisonjeiro e divertido, como ela, mas faria trejeitos grotescos de dignidade ofendida e chamaria a imprensa para encenar um show antirracista.

É assustador constatar até que ponto a exploração maliciosa do rancor irracional se tornou norma corrente nas nossas classes letradas, chegando a infundir nos cidadãos o temor de fazer uso do bom senso. Quando a razão se torna suspeita, o fanatismo fala mais alto — e um fanatismo não se torna menos letal por se adornar de um falso prestígio intelectual, por se encobrir de pretextos “éticos” ou por ser cultivado como sinal de elegância nos meios chiques. Será que ninguém na imprensa percebe que o temor exagerado de passar por racista coloca o indivíduo numa posição psicologicamente insustentável e neurotizante e acaba por fazê-lo cometer alguma gaffe que a malícia de uns quantos e a tolice de muitos interpretará retroativamente como prova de racismo? Será que ninguém percebe que a neurotização das relações entre pretos e brancos cria artificialmente conflitos raciais a pretexto de evitá-los?

Mas na denúncia contra o segurança há um aspecto ainda mais pérfido. Pois quem espalhou pelo mundo a imagem do nosso país como fornecedor de negras e mulatas para o turista sexual europeu, senão os meios de comunicação que agora caem de paus e pedras sobre o incauto funcionário do Intercontinental? A exibição de peitos e traseiros nos jornais e programas de TV na época de Carnaval não é decerto um incentivo a que os europeus respeitem nossas mulheres negras e se casem decentemente com elas, mas um convite direto e franco a que venham usar e abusar delas em hotéis de cinco estrelas na praia de Copacabana. A confissão descarada de que a mulher brasileira – ou, o que dá na mesma, a mulher mestiça – é artigo para consumo estrangeiro torna-se, por assim dizer, oficializada no momento em que uma revista pornô tem a petulância de se denominar Brazil Export. E não se venha dizer que os pobres jornalistas fazem isso obrigados por patrões malvados: pois o capitalismo da sacanagem não aproveita só aos capitalistas, mas também a seus supostos adversários de esquerda, imbuídos da crença de que o deboche e a pornografia são armas de uso legítimo contra a “moral conservadora”, tanto quanto, complementarmente, é recurso legítimo do combate ideológico atiçar ressentimentos e levar o povo a crer que a inveja rancorosa o mais elevado padrão ético de conduta. Ninguém, entre os responsáveis por tais discursos, pergunta se a confluência de tantas estimulações contraditórias sobre a cabeça do cidadão pode ter outro resultado senão o de destruir nele o raciocínio, o senso crítico e o senso de autonomia pessoal e torná-lo um pateta vulnerável a qualquer propaganda demagógica.

Fatos e ideias, valores e discursos, costumes e pretextos, tudo, mas tudo mesmo, no ambiente mental brasileiro, induz e pressiona o homem comum das nossas ruas a enxergar as coisas como as enxergou o segurança do hotel: suíço com negra é turista com garota de programa. Só que, após ter-lhe ensinado que as coisas são assim e que assim deve ser, ela o pune por acreditar na lição. O episódio não denuncia o racismo de um indivíduo, mas a irresponsabilidade e a confusão mental de toda uma cultura. É compreensível que uma neurose – pessoal ou coletiva – busque exorcizar-se a si mesma por meio de poses de indignação e discursos postiços contra bodes expiatórios. Incompreensível, vergonhoso, inadmissível, é que aqueles incumbidos de a curar – os intelectuais, os jornalistas, os homens de cultura – prefiram criar racionalizações para legitimar o fingimento histérico, fortalecendo a carapaça de defesas contra toda invasão da verdade e da evidência.

Para cúmulo de ironia, o segurança envolvido no episódio é ele próprio mestiço, como aliás o era seu célebre antecessor no papel de bode expiatório, o palhaço Tiririca. Na mentalidade da militância histérica, a repórter (...) deverá, portanto, ser implacavelmente acusada de racista por chamá-lo de “mulato” em vez de “negro”, como exige o vocabulário politicamente correto.”

Fevereiro 17, 2022

Foureaux

Uma vez mais, o texto que segue não é de minha autoria: por isto, as indefectíveis aspas! Como da outra vez, sei quem é o autor, mas prefiro não mencionar seu nome para não ensejar celeumas. Não quero meu nome em bocas de matildes e de detratores disso ou daquilo. Não me quero associado a um lado ou a outro, por conta de palavras que não são minas. Resolvi trazer aqui esta pérola porque o texto é isso mesmo, uma pérola de sarcasmo, ironia, deboche, galhofa e, de quebra, é um texto muito bem escrito. Pensem o que quiserem e queimem um pouco mais de fosfato para descobrir quem é o autor. Hão de se surpreender! E tenho dito!

“Desejando ardentemente admitido em rodas de intelectuais, pus-me a estudar os temas e a linguagem das publicações culturais e das entrevistas que as pessoas reconhecidamente letradas davam na TV. Meu intuito era saber os gostos e hábitos dessa gente, sem cuja companhia e aplauso a vida humana é, como todo mundo sabe, um tédio, um saco, um inferno. Após alguns meses de investigação, consegui delinear um quadro de normas de conduta, que ponho aqui à disposição de todos os que, como eu, somem a uma atração mágica pelos círculos de gente fina uma vocação incoercível de alpinista social. Aqui encontrarão a fórmula que abre as portas da admissão no grande mundo das pessoas belas e significativas, longe da opacidade cinzenta do anonimato.

Mas não pensem que se trata de um modelo rígido, de um conjunto de fórmulas prontas que qualquer um possa ir copiando sem a menor criatividade. O que importa é aqui menos a adesão expressa a uma tábua de mandamentos conhecida, como o ‘politicamente correto’ dos americanos, do que um tom, um jeito, um estilo sutil pelo qual a intelectualidade reconhece seus membros típicos e os distingue dos indesejáveis, penetras, bicões e caretas de toda sorte. Ao ler os preceitos que se seguem, trate de ir além da letra e captar, como se diz, o espírito da coisa.

  1. O tom certo é queixoso, de modo geral, contra a sociedade e contra a realidade, mas não pode cair no negativismo completo e deve permanecer soft o bastante para poder fazer coro com as campanhas da ética e da cidadania, que requerem um certo otimismo – aquele otimismo capaz de levar as várias classes a se congraçarem para promover fraternalmente a luta de classes. Você não deve falar mal de ninguém, exceto daqueles que a imprensa reservou especialmente para esse fim: Collor, Maluf, Quércia, Ricardo Fiúza, os empreiteiros. As demais pessoas famosas devem ser sempre mencionadas como portadoras de qualidades excelsas, de preferência mediante o uso das expressões ‘pessoa maravilhosa’, ‘um ser humano muito especial’, etc. De maneira nominal e individualizada, tais expressões aplicam-se a figuras do show business, dos negócios ou da vida cultural, principalmente aquelas que você nunca viu mais gordas, mas das quais todo mundo diz essas coisas. De maneira impessoal e coletiva, e a uma higiênica distância em caso de mau cheiro, aplicam-se aos pobres e às vítimas, categoria que compreende os meninos de rua, os sem-terra, os índios, os garotos e garotas de programa, os líderes do Comando Vermelho, as mulheres em geral e sobretudo aquelas que estão doidinhas para abortar, os cantores negros que vendem cinco milhões de discos, os gays e lésbicas, o Betinho, o candidato presidencial Luís Inácio Lula da Silva e alguns bicheiros cuja origem popular conta mais do que seus saldos bancários; excluem-se dela, porém, aqueles pentelhos que querem tomar conta do nosso carro e, de modo geral, os pedintes (os letrados sempre foram contra dar esmolas na rua; antes, porque atrasava a revolução; agora, porque acham um acinte esses sujeitinhos apelarem à caridade individual e apolítica dos transeuntes, boicotando a campanha do Betinho). Se por acaso você está na frente de uma câmera de TV, não há limites para o emprego da expressão ‘pessoa maravilhosa’: mas se lhe ocorre usá-la com relação a alguém que nunca foi chamado assim, faça isso logo, antes que o próximo entrevistado o faça.
  2. Se entrar numa disputa verbal, exponha suas crenças com forte convicção, mas não caia na esparrela de tentar provar que são verdadeiras. Caso você não o consiga, será considerado um chato e prolixo. Caso consiga, será odiado como um intolerante e dono da verdade. Sobretudo não use argumentos lógicos de espécie alguma, que são considerados autoritários e repressivos. Experimente alguma coisa mais liberal e progressista, como levantar a voz, fazer caretas e dar pulinhos como José Celso Martinez Correia ou fazer chantagem emocional, que são considerados meios legítimos e democráticos de persuasão. Caso falhem, recorra à programação neurolinguística, à hipnose ou a alguma outra forma de manipulação subliminar, que são todas bem aceitas pela comunidade educada como instrumentos adequados para fomentar a autenticidade nas relações humanas. Qualquer que seja o caso, repita várias vezes, durante a performance, o mote: ‘Não há verdades absolutas’, e verá que esta ideia deixa as pessoas muito felizes e aliviadas, mesmo porque elas se sentiriam arrasadas caso topassem com alguma verdade que se recusasse a mudar conforme os seus desejos. Se tiver encantos físicos, use-os abundantemente em defesa de suas teorias: eles são um dos mais fortes argumentos entre as pessoas cultas. Se não conseguir persuadir ninguém, pelo menos adquirirá uma fama de sedutor, palavra que, embora designe um crime previsto no Código Penal (Art. 217), se tornou, talvez por isto mesmo, um dos mais altos elogios que se pode fazer a alguém nos círculos intelectuais.
  3. Quaisquer ideias conservadoras ou que tenham a fama de sê-lo devem ser sempre tratadas como preconceitos, por mais conceptualmente elaboradas que sejam – de modo que a palavra preconceito deixe de designar de modo genérico qualquer julgamento proferido por hábito irrefletido e passe a rotular determinadas ideias em particular, isto é, aquelas que não são muito apreciadas nesse ambiente seleto. Se você aprender a usar direitinho a palavra preconceito, logo as pessoas passarão a concordar automaticamente com tudo o que você disser, pois têm horror a preconceitos.
  4. Identifique logo a minoria discriminada a que pertence – pois todo mundo pertence a alguma – e exiba-a como um cartão de ingresso: ela dá direito a ser bem recebido neste círculo. Não venha com essa de que não tem nenhuma. Se você não é preto, nem gay, nem judeu, nem baixinho, nem gordo, nem índio, deve pelo menos ter o peru pequeno. Não precisa sair contando isso para todo mundo; diga apenas que pertence à categoria dos fisicamente prejudicados, termo recém desembarcado que impõe o maior respeito.
  5. Qualquer que seja a posição social e a origem das riquezas do falante, ele deve dar a impressão de que teria tudo a ganhar e nada a perder com uma revolução comunista. O socialite, pois que os há de montão entre os intelectuais, deve sempre deixar crer que está mais solidário com os sem-terra do que com os seus colegas de diretoria do banco.
  6. Quando se trate de manifestações culturais, elas devem expressar, sobretudo, essa gama de sentimentos coletivos, e nada dizer ao público com que ele já não esteja disposto a concordar de antemão. Mas é importante dar a essa pasta homogênea de opiniões concordantes um status de heresia, de desvio, de marginalismo original e não-conformista, para que os ouvintes e espectadores possam todos sentir-se heréticos também, já que a coisa que mais faz um sujeito se sentir solitário e abandonado hoje em dia é ver-se fora da categoria dos excluídos.
  7. Em matéria de sexo, deve-se falar a mesma coisa que todo mundo, mas dando sempre a impressão de ser o primeiro a fazê-lo, de estar rompendo as regras estabelecidas e desafiando com incalculável ousadia a ira do convencionalismo repressor. Se tiver de admitir que é heterossexual, faça-o com discrição. Se mencionar a Aids, que seja num tom de vaga revolta contra o establishment. Caso sinta firmeza, diga algumas palavras contra o Papa, que não deixou nossas mães nos abortarem, o safado.
  8. Se alguém lhe perguntar sua religião, opte por uma destas: duendes, nenhuma, afro, new age (importada ou nacional), Lair Ribeiro, satanismo light. Não caia jamais na besteira de dizer que é católico, exceto se tiver fama de comunista, pois aí essa opção extravagante será bem acolhida por todos como saudável manifestação de hipocrisia. Muito do prestígio do Lula provém de as pessoas acharem que ele só é católico por conveniência.
  9. Quando puxarem a conversa para o lado literário e citarem alguma obra que você não conhece, afirme resolutamente que ela rompe com as convenções do gênero. Você agradará a todos e não terá a menor possibilidade de errar, pois há meio século não se publica no Brasil uma obra que não rompa novamente com alguma convenção literária do tempo de Walter Scott.
  10. No visual, você deve passar uma impressão de saúde, bem-estar e riqueza dignos de uma autêntica pessoa maravilhosa, ao mesmo tempo que em palavras sugere ser uma vítima de um mundo mau e sem sentido, onde um Deus maligno nos abandonou sem outro socorro além das camisinhas e da campanha do Betinho.
  11. Se lhe perguntarem de economia e política diga uma destas três coisas, ou, melhor ainda, todas elas: ‘Sou contra a privatização, mas isto não quer dizer que seja a favor da estatização’. ‘O socialismo faliu e a solução para o Brasil é o PT’, ‘O importante é que o movimento da massa não termine em pizza’.”

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